A sobrevivência no Paraguai
Estive lá, em Ciudad Del Este. Não há nada de bom para dizer.
Foz do Iguaçu é uma cidade do interior do Brasil como muitas outras. Até que gostei.
À medida que a fronteira com o Paraguai se aproxima, Foz começa a ficar feia e o caos começa a se instalar, um prenúncio do que nos aguardava.
Pegamos um ônibus para cruzar a Ponte da Amizade. De um lado, o rio, majestoso. De outro, pessoas com pacotes, carros e motoqueiros cruzavam a Ponte. Remendos de ferro adornavam as grades. Uma distração da polícia e outro buraco surgia, para içar contrabando para o rio via corda. Um rapel de muamba.
Um trânsito pesado para quem queria ir ao Brasil, que é onde a aduana tenta barrar o que pode. Suspirei, com a cabeça na volta. Iria demorar. Para muitos, cruzar a fronteira era tirar a sorte grande.
Chegando lá, nos recebe o caos de ruas sujas, apinhadas de gente carregando sacolas, perueiros e motoqueiros. Era uma 25 de Março ao cubo. Se isso era a entrada do Paraguai, imagine o resto do país. Deve ser um estado falido. Já me disseram que Assunção não é grande coisa também.
Como um país chega nesse ponto? Ficará o Brasil assim um dia? Quando as instituições entram em colapso? Os prédios da cidade já foram novos. Hoje parecem prestes a desabar.
A primeira recomendação de minha noiva foi tirar a aliança do dedo. Alguém poderia arrancá-la com os dentes ou com um canivete. Na ida ela também contou a história de um grupo que pegou uma perua para cruzar a Ponte e terminou assaltado pelo próprio motorista.
Um breve sossego surgiu com a entrada num shopping, Mona Lisa. Era como uma dimensão paralela ou outro planeta. Ar condicionado, cheiro de limpeza. Consumo de luxo. Durou pouco. Logo voltamos ao calor.
Lojas vendiam de tudo. Guarda-chuvas, brinquedos, eletrônicos, DVD´s piratas. Nada parecia ser de qualidade. Tudo chinês. Já disse uma vez, a China vai engolir o mundo. Com sua poluição e seus produtos de plástico, montados por trabalhadores quase-escravos.
Tento ligar para o Brasil. Só deu ocupado. Ainda assim, cobram-me 4 reais só por tentar. Que raiva!
Caminhamos por ruas tortuosas, até que minha noiva sossega numa loja de bijuterias.
Para esperar, resolvo visitar uma galeria. Rodo pelo térreo, subo uma escada. Em toda a parte o som de pacotes sendo embrulhados e durex sendo cortado e envolto nos pacotes. Rodo pelo primeiro andar. Entro numa loja e saiu por outra saída. Desço uma escada, de volta ao térreo. Tento voltar e percebo que estou perdido.
Era o "Jardim das veredas que se bifurcam", do Borges
Subo. Desco escadas. Rodo. Vou para a rua. Meia hora se passa. Vejo a loja onde minha noiva estava. Foi um alívio encontrá-la.
Não vi nenhum sinal de polícia ou qualquer espécie de autoridade. Mas algumas lojas tinham seguranças armados de escopetas nas portas. A munição pendia como colares dos peitos dos vigias, em suas posturas de Rambo.
Sente-se uma angústia nas pessoas que caminham em Ciudad Del Este. Querem sobreviver. Há trapaceiros, sacoleiros, laranjas, mulas, traficantes, perueiros, motoqueiros. Claro, há gente de bem. Gente que de bom grado faria algo melhor para viver, se tivessem a chance.
Na volta, esperamos horas até passarmos pela alfândega. Muita gente na fila, na expectativa de que passarão com suas compras.
Já no Brasil, o braço forte da lei, na forma de policiais rodoviários, abordava um grupo de sacoleiros, dando um "baculejo" em todos. Um deles empunhava um revólver prateado, de cano longo. Dizia aos sacoleiros: "São vocês ou sou eu".
Todos querem sobreviver. Esse é o lema da fronteira. E, seja do lado da autoridade e da ordem, seja do caótico submundo muambeiro, se diz aos seus adversários: "São vocês ou sou eu"
Ao chegar em casa, percebi que o par de tênis que usei e as meias estavam impregnados de lama. Eu cheirava a suor. O Paraguai não me deixaria fácil.