Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

Nome:

Advogado, vive em São Paulo

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Uma cena simples

Era para ser uma cena simples.
Num casarão de um subúrbio parisiense (que na verdade era uma vila locada na Espanha) um casal discute sua relação. A câmera, erguida por uma grua, entraria lentamente pela janela, invadindo a intimidade das duas pessoas, saindo de um plano geral da vizinhança para um plano fechado. Foco no rosto de uma mulher jovem, com trajes da virada do século XIX ao XX, que devia apenas dizer: “Esse trem você perdeu, François”.
Os atores estão em sua marcação. Tudo está pronto.
O diretor não é de gritar ação. Com uma aceno de cabeça ele dá a ordem para que tudo comece. Um assistente plantado na janela acena para o operador de câmera do lado de fora da casa, que conduz, com precisão cirúrgica, a enorme câmera através da abertura, sem encostar em nada. As lentes se aproximam da atriz. A frase começa a se articular em seus lábios:
- Esse trem você perdeu...
E a atriz explode numa gargalhada. A sentença perde seu complemento, François. O próprio François não ousa sair do personagem, e segue com a fala que lhe é esperada. Ela leva as mãos à cabeça, vermelha, rindo. Cobre a boca com as costas da mão direita. Seu companheiro de cena ensaia prosseguir com tudo, mas um grito os interrompe:
- Corta.
A atriz, ainda emitindo pequenos risinhos, dirige-se ao diretor:
- Desculpe, lembrei de uma coisa. Vamos tentar de novo. – Ele é todo seriedade:
- Está bem. Câmera de volta ao lugar. Dois minutos.
Após o tempo marcado, nova ordem para que tudo recomece. Todos em seus lugares. A câmera atravessa a janela e faz o close. A atriz lança a frase esperada:
- Esse trem você perdeu...
E começa a rir de novo. Da primeira vez ela até sabia porque estava rindo, mas prefere não pensar nisso. Agora ri pela lembrança de ter rido. Ri um riso imemorial. Ri tanto, até chegar ao ponto de nem lembrar mais do que estava rindo. Deviam ser aquela roupas de época apertadas, o calor espanhol, aquele diretor meio calvo e sem humor.
O companheiro de cena, desta vez, nem tenta salvar a tomada. O diretor, de cabeça baixa, apenas acena com a mão para sua equipe, que desliga tudo. A câmera na grua se encolhe e sai do casarão, como um animal ferido de volta à toca escura e úmida, com a graça de uma serpente.
O diretor volta ao seu assento. A cena não é difícil, mas se não é feita de uma vez atrasa tudo, por causa da câmera vinda da rua. O duro é que não podia falar nada para a atriz. Tratava-se de Lucille Adams, uma americana canastrona. Mas era linda e loira, com os seios mais fartos a jamais preencher a tela grande desde Jane Mansfield. Garantia de bilheteria, estrela em ascensão. O filme era apenas um veículo para que ela desfilasse em roupas da Belle Époque, com o busto farto apertado num espartilho, ofertando um decote generoso.
E ele era apenas o diretor contratado, um zé-ninguém. O roteiro não era seu, nem o dinheiro da produção. Estava ali para cumprir ordens. Mas a idéia da cena no casarão era sua, com a câmera vindo de fora.
Lucille ainda dava seus risinhos. Tinha vontade de esganá-la. Se fosse o tal a fazer o François a estragar sua cena o mandaria embora do set na base do porrete. Tinha que reconhecer que o rapaz ainda tentou manter o personagem, e não riu com ela. Só estrelas podem estragar cenas. Atores substituíveis têm mais é que ficar quietos.
Tudo pronto, avisa o operador de câmera. Lucille está séria, ao que parece. Então vai, manda o diretor.
A câmera se eleva. O casarão se aproxima. A janela é ultrapassada. O belo rosto e os seios de Lucille já despontam no horizonte. Ela tem o semblante grave, sua personagem vai dizer o que lhe atormenta há tempos:
- Esse trem você perdeu, François.
Mas antes que um atônito François responda, Lucille explode em riso novamente. Perdigotos voam na direção de François, que ensaia manter sua parte. O diretor interrompe tudo de novo. Sem ordem alguma a câmera se recolhe, veloz, roçando a cortina. A equipe se movimenta pela locação.
De sua cadeira o diretor afunda o rosto nas mãos. Lucille pede desculpas, mas não para de rir. Ele tem vontade de mandá-la ao inferno, mas isso acabaria com sua carreira. Nem sempre é o diretor que manda. Ele era apenas um técnico ali. A platéia quer ver Lucille na tela, e não ele. Seu colega Billy Wilder uma vez disse que Marilyn Monroe era uma estrela difícil de lidar, tinha que fazer a mesma cena com ela dezenas de vezes. Com sua tia húngara Billy poderia fazer a cena uma vez só, mas ninguém queria assistir a tia húngara nas telas, eles queriam Marilyn.
O diretor de fotografia se aproxima, e sussurra ao diretor:
- Se isto te consola, todo este material vai ficar ótimo nos extras do DVD, nos erros de gravação.
O diretor esfrega os olhos, se levanta. Pergunta se está tudo pronto. Pela primeira vez no dia grita ação. Agora vai. Tinham o dia inteiro. Tinham vários dias de filmagem adiante. A mesma cena de novo, e de novo, e de novo.
Não podia ser tão ruim. Pelo menos apreciaria Lucille Adams em roupas de época e espartilho, mostrando aquilo tudo.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Blitz

Um dia eu embarquei no metrô de Londres, Inglaterra. Chamam ele de Tube, o Tubo. Achei um espaço para sentar. A cada parada uma voz metálica e automática anunciava a estação seguinte e o destino final. Numa das estações entra uma velhinha estilo vovozinha, cabelo branco arrumado num coque, roupas fora de moda, meio carrancuda. Ela traz uma bengala e quase me acerta com ela na cabeça, exigindo meu lugar.
Ela foi mais rápida que minha educação. Eu prontamente levanto. Ela senta, sem agradecer, com um ar de quem lamenta essa juventude mal-educada de hoje, e uma interjeição de desprezo, oh Lord!
Passo a imaginar. Vou chamá-la de miss Suzy. Ela era jovem durante a Segunda Guerra Mundial. Provavelmente vivia em Londres mesmo. Deve ter se escondido das bombas e foguetes alemães. Ouviu as sirenes ecoarem de madrugada, o coração batendo forte de pavor. Sempre aquele cheiro de fumaça e o calor do fogo próximo. Guardava cupons de racionamento.
Miss Suzy comia mal, vivia mal. Talvez tenha perdido um irmão ou o próprio marido no front. Pode até mancar e usar bengala por ter recebido um estilhaço ou bala perdida na perna. Viu corpos e rostos mutilados largados na rua. Ratos do tamanho de cachorros arrastando cadáveres nas ruas bombardeadas. Edifícios transformados em esculturas de ferro e concreto retorcido. Ribombar constante na distância.
A Blitz é a grande obsessão inglesa. Eles nunca vão esquecer, a lembrança passará de pai para filho pela eternidade.
Nossa personagem, miss Suzy, pode ser uma mulher que viu muito coisa. Estou apenas imaginando.Vive sua vida, às turras apenas com os jovens como eu, sem receber muita atenção do governo ou dos outros.
Mas há gente preocupada com ela. Os diretores do metrô.
Um museu londrino quer anunciar uma exposição de quadros de Lucas Cranach, mestre renascentista alemão. Prepara um cartaz com uma de suas obras, um nu feminino que retrata a deusa da beleza Vênus. Mas o material publicitário não vai ser exposto no metrô de Londres. Os responsáveis, sempre eles, acharam que o quadro poderia ferir alguma suscetibilidade. Uma mulher pelada daquelas poderia ofender miss Suzy.
Lucas Cranach viveu entre 1.472 e 1.553. Ao pintar o quadro, deve ter se preocupado no máximo com a sensibilidade de algum padre ou bispo. Mas parece que não os incomodou a este ponto. Viveu quase 82 anos, pintando seus quadros e criando. Se tivesse sido tão incômodo não teria durado muito, nem sua arte.
Muitas das obras de Cranach são mais velhas que o descobrimento da América. O mundo rodou muito desde então. Sequer poderia o mestre imaginar que ele seria censurado cinco séculos depois. Justo ele, justo sua Vênus.
O que o Metrô de Londres fez foi uma piada de mal gosto. Gente ignorante! Botocudos! Boçais!
Dirigentes do Tube, não se preocupem com miss Suzy. Garanto que ela já viu coisa muito pior. Não vai se chocar com uma pintura velha de quinhentos anos de uma deusa nua. Ela sabe se defender e não carrega bengala à toa. A Blitz foi a coisa mais obscena que ela já viu e jamais verá pelo resto de seus dias. Exceto, talvez, esse desrespeito à arte.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Testemunho

- Nome?
- Edmundo Passos.
- Idade?
- 56 anos.
- Profissão?
- Sargento da PM. Aposentado.
- Natural de?
- Aqui de São Paulo mesmo.
- Aceita a presença do réu na sala na hora do testemunho?
- Vou dar uma pensada, ok?
- Está bem. Um pouco antes da hora eu pergunto de novo. Agora é só aguardar.
Edmundo cofiou o bigode branco e procurou um lugar para sentar. Estava no fórum criminal, aguardando sua vez de testemunhar num caso de assalto à mão armada que tinha visto dois anos atrás. A escrevente, auxiliar do juiz, pegou seus dados pessoais.
Naquele dia estava num posto de gasolina abastecendo seu Monza, aposentado há apenas um ano, sentindo falta de ação, como sempre. Admirava um Citroën preto parado ao lado, belo carro. Nele havia um jovem casal. O motorista não tinha mais que vinte anos, escutavam música alta, pareciam felizes. Surgidos do nada, dois animais raivosos, de cara limpa, imberbes, provavelmente drogados, apontaram suas armas para os jovens e anunciaram o assalto, com um berro. Eles desceram do carro, assustados, e os bandidos assumiram a direção, cantando pneus e arrancando do posto.
Edmundo não pôde fazer nada, já não andava armado. Não hesitaria. Passaria fogo nos dois, só cuidando de não atirar com gente na linha de tiro, e assim que saíssem do posto, para evitar uma explosão. Vagabundo tem que morrer.
Foi rápido, mas não esqueceu da cara deles. Poderia apontá-los em meio a uma multidão, um milhão de anos depois. Era bom fisionomista.
A moça chorava. O namorado, apesar de assustado, se esforçava para consolá-la. Conversou com os dois, prestando a solidariedade possível nessas horas. Foi depor na delegacia em seguida. Ajudou a fazer um retrato falado. Na mesma madrugada os dois foram presos ao tentar escapar de uma barreira policial, e bateram o carro. Menos mal, o veículo tinha seguro. Foi chamado de novo ao distrito, onde os reconheceu.
Tinha um caso completo nas mãos, e hoje ele terminava. Seria fácil. Ajudaria a tirá-los de circulação, justiça seria feita.
Circulou, ainda em busca de um assento. Havia uma sala de testemunhas. O jovem casal do Citroën estava lá, aguardando ansiosos a vez. Preferiu não sentar com eles. Não queria influências recíprocas no que iriam dizer. Edmundo ficou de pé, encostado do lado de fora. Dali podia ver uma senhora negra com semblante arrasado. Poderia ser até a mãe de um dos acusados. Azar dela. Provavelmente iria dizer que ele sempre foi um bom menino, que nunca deu trabalho. Ótimo. Mas naquela noite o bom menino pegou uma arma e podia ter matado um jovem da mesma idade que ele. À toa, por causa de um carro que ele iria vender num desmanche a preço de banana.
Passa uma fila de presos, algemados uns aos outros, de chinelos e calças bege, escoltados por policiais armados de espingardas. Eles já estão condenados, mesmo que escapem de qualquer coisa que o Estado os acuse.
Edmundo tinha ainda uma questão nas mãos. Queria ou não a presença dos acusados na sala de audiência? Foi policial, lidou várias vezes com aqueles tipos. Na ativa depôs em vários fóruns como aquele, confirmando os flagrantes, sem se importar se os réus estavam ou não na sala. Eles que viessem se meter com ele, sabia se cuidar, veriam só.
Mas agora estava aposentado. Não tinha obrigação nenhuma de se expor. Se eles tiverem comparsas ou um dia forem soltos, estaria sozinho. O Estado ou a PM não viriam ajudá-lo. Mas achava que se esconder não era coisa de homem. Já tinha enfrentado coisas muito piores, em todos os seus anos na corporação.
Observava, quieto, a arquitetura do fórum. Escutou certa vez que aquilo era para ter sido um hospital. Corredores muito amplos, pé-direito alto. De onde estava se viam os dutos de ar-condicionado. Diz a lenda que um juiz dali já pegou tuberculose ao respirar o ar infectado que circulou da carceragem para sua sala.
Queria ou não o réu na sala de audiência? Passou uma hora refletindo sobre o tema.
Ainda pensava nisso quando a escrevente veio chamá-lo. Ela perguntou de novo. Não, ele não queria o réu na sala. Iria apontá-lo através de uma fresta na porta. O fato de ter sido policial não iria ajudá-lo se as coisas piorassem. Estava sozinho nessa. A corporação não era mais parte de sua vida.
Edmundo ficou atrás da porta, esperando o momento. Apontou quem devia apontar. Ainda entrou meio envergonhado na sala, após a saída dos réus, para contar sua versão dos fatos ao juiz.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Uma mulher cosmopolita

Clarice Estrela adora o cheiro de coisa nova. De carro, achava bom. Mas o de um novo lugar para morar era o melhor. Seu apartamento cheirava à tinta que secava nas paredes e o aroma da cola que fixou o carpete no chão impregnava o ar. Batalhou muito por seu canto. E o melhor, na região mais cosmopolita de São Paulo. Cosmopolita como ela, que tinha bom gosto, lia revistas modernas e se informava sobre o mundo, mas nunca tinha saído do Brasil. Tinha grandes planos para aquele lugar.
Mas Clarice estava nervosa com a mudança. Havia muito o que fazer. Muitas coisas para comprar e móveis que pediam uma posição. Lamentava que seu marido não pudesse ajudá-la. Empresário, vivia às voltas com sua padaria e não tinha tempo para a vida doméstica, e para os aborrecidos detalhes de um lar neófito.
Após um tempo a rotina já se impunha. Clarice ia trabalhar, voltava para a casa quase nua e não gostava do que via. Seu homem nunca estava lá. Ela teria que se enturmar com os vizinhos. Logo percebeu que aquela era mesmo a região mais européia da cidade de São Paulo. Haviam muitos suíços, escandinavos, alemães, e respectivos descendentes no prédio.
Um dia toca sua campainha. É uma mulher charmosa e magra, de meia-idade, com cara de gringa. Ela diz ser a vizinha do apartamento ao lado, se chama Kirsten. Clarice a convida para um lanche. Trocam muitas idéias. Ela é dinamarquesa, como o nome já havia entregado, e é casada com Peter, alemão que ela logo conheceria, homem com a constituição física de um boi, de voz alta e capaz de tomar litros de cerveja sem se abalar. Os dois falam português sem sotaque.
Ficam amigas. Kirsten é dona de casa, tem muito tempo livre e começa a visitar Clarice nos fins de tarde. Ela lhe conta sobre a vida na Europa e sobre os hábitos dos europeus radicados no Brasil. Algumas coisas são bem diferentes daqui. Os dias lá parecem mais curtos, o tempo é frio e é raro que o sol dê as caras. Até a indumentária é diferente. Kirsten estava sempre à vontade, com shorts curtos e camiseta. Parecia sempre estar pronta para o turismo. Faltava só um mochilão e talvez uma câmera pendurada no pescoço, como se estivesse em Foz do Iguaçu. Havia vezes em que Clarice podia escutar pelas paredes os gritos em dinamarquês que Kirsten dirigia ao cachorro. Parecia ser uma mulher agitada.
Certo dia Clarice ainda lamentava a aridez desértica de sua varanda. Kirsten se dispôs a ir com ela numa loja de jardinagem da região. Pegaram o carro.
Era um dia nublado, detalhe a ser guardado.
A loja era boa e variada. Clarice encontrou uma samambaia simpática e vasos de plantinhas verdes que ficariam bem no seu terraço. Pagou, e um rapaz se adiantou levando as compras num carrinho. Kirsten saiu na frente, seguindo o carrinho e o moço.
Clarice ainda guardava a carteira na bolsa, se atrasa um pouco. Sai da loja e vê Kirsten deitada, em verdade esparramada é a palavra, num pequeno jardim de grama. Esparsos raios de sol encontraram brechas entre as nuvens e pareciam bafejar Kirsten no único espaço disponível no verde. Ela parecia feliz, a testa franzida pelo sol.
“Esses estrangeiros”, pensou Clarice. Mesmo vivendo há muito tempo em nosso país tropical, eles ainda tem esse trauma da falta de sol de seus países. Não sabe se teria esse desprendimento de deitar na grama na frente de todos só para se bronzear. Eles são diferentes mesmo. Só espero que ela não invente de fazer um topless. Mas não poderia parecer preconceituosa. Sua fama de intolerante se espalharia entre os vizinhos gringos do prédio rápida como a gripe aviária. Estava morando agora na região mais cosmopolita de São Paulo, não podia confessar que nunca tinha visto esse tipo de coisa.
Clarice tentou soar simpática e acostumada àquilo, como se não fosse nada de mais:
- Oi Kirsten, tomando um solzinho?
A dinamarquesa faz uma careta de dor, curva-se em direção aos joelhos e aperta-os contra seu corpo:
- Tomando sol? Eu tropecei e caí na grama.
Clarice cora de vergonha e corre para ajudá-la. Ajuda a erguer Kirsten. O rapaz que levava as compras também larga tudo para dar uma força. Outros clientes da loja apenas olham. Kirsten tem os joelhos vermelhos, e as costas da camiseta sujas de grama e terra. Manca com dor até o carro, mas não é nada grave.
Clarice dirige de volta ao prédio e tenta se explicar:
- Puxa, Kirsten. Eu achei que você tinha resolvido aproveitar o sol que saiu...
- Sua doida. Você acha que eu ia deitar na grama suja para isso? Olha a minha roupa como ficou. Olha o meu joelho, todo ralado.
O carro fica num silêncio constrangedor. Mas, ao mesmo tempo, as duas novas amigas explodem numa gargalhada. Kirsten disse:
- Espere o Peter e os vizinhos ficarem sabendo dessa. Você é uma caipirona mesmo, Clarice!
Era tudo o que Clarice não queria. Justo ela, que morava agora na região mais cosmopolita de São Paulo.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Terça-feira Gorda

Os americanos chamam o dia das principais prévias das eleições presidenciais nos Estados Unidos da América de Super Terça-feira, o que é quase um slogan das nossas Casas Bahia. Eu preferiria chamá-la de Terça-feira Gorda, ou Mardi Gras, já que ela caiu no dia do nosso Carnaval. Os gringos, ao invés de irem sambar, foram votar.
Eram cinco os principais concorrentes ao posto de homem (ou mulher) mais poderoso(a) do mundo: John McCain, Mike Huckabee, Hillary Clinton, Barack Obama e Mitt Rommey. Todos senadores e ex-governadores em busca de mais poder. Democratas e Republicanos.
Enquanto o destino do mundo livre começava a ser decidido, de manhã bem cedo, eu dormia.
Os candidatos principais cruzavam o país em seus jatos e helicópteros, a fim de angariar votos. Decisões cruciais sobre os lugares a ser visitados neste dia tão importante podem decretar a vida ou a morte de uma candidatura, como os polegares para cima ou para baixo de um César.
Eu fui de carro ao supermercado comprar ovos para um bolo e tentar conseguir um desconto numa garrafa de Coca-Cola. Comparei o preço da garrafa de 2 litros com o da garrafa de 3 litros. Vamos receber nossos amigos, e a decisão sobre a quantidade de refrigerante necessária pode ser fatal.
John McCain celebrou seu passado de herói de guerra, os anos presos no Vietnã, seus ferimentos e contou de seus planos para acabar com a guerra no Iraque.
Eu coloquei Band-Aid e anti-séptico no dedinho do pé arrasado por uma topada, lamentei ter ficado preso no trânsito na volta do supermercado e pensei no filme que iria assistir mais tarde, que não era sobre batalhas ou combates sangrentos. Tinha apenas a Catherine Deneuve no papel de uma viúva rica e alcoólatra.
Mike Huckabee analisava com seus estrategistas e marqueteiros os mapas de votação nos Estados-chave.
Eu folheei distraído um guia sobre a Áustria, li o jornal e me assustei com as conclusões parciais sobre os acidentes nas estradas durante o Carnaval. Foi muito bom não ter ido para a praia.
Hillary Clinton falou de seus planos sobre a Previdência americana e sobre o sistema de saúde na Gringolândia em vários debates. Quer a cabeça do presidente Bush pela sua inação sobre o tema.
Eu recebi um casal de vizinhos. Ele estava revoltado com a cobrança de água do condomínio. Queria entrar com uma ação e depositar o valor em juízo. Deseja ainda derrubar a síndica, quer o impeachment dela. Sua mulher tentou, sem sucesso, esfriar os ânimos do debate.
Barack Obama, ao fim do dia, tentava entender por que ele havia perdido a Califórnia, se sentindo um fracassado. As pesquisas de boca-de-urna não mentiam.
Eu assistia a um filme francês, cheio de diálogos, e sem entender a história, me sentindo um tanto burrinho por não entender as sutilezas do diretor.
Mitt Rommey lamentava com sua equipe o que havia dado errado. Tomou o champanhe da vitória da festa pré-armada, já com gosto de ressaca, para não haver desperdício.
Eu celebrava com minha mulher e alguns amigos essa vida simples, recebendo-os em casa, com um vinho bom e barato, sem barulhos do Carnaval, sem essas disputas de vaidade, sem sonhos presidenciais, sem nos importarmos com os destinos do mundo, sem a sensação de estar perdendo ou ganhando coisa alguma.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Caipiras com armas

Numa vicinal de uma rodovia principal há essa pequena cidade do interior paulista, como muitas e muitas outras. Após cruzar a rodovia e a vicinal, eu chego com minha mulher à casa de meus avós. Meu avô está mal de saúde, não pode sair da cama, mas isso não impede que minha avó nos receba com simpatia:
- Oi meninos, fizeram boa viagem?
- Ah, sim, vó.
Meio-dia. Meu avô toma uma sopa, está muito fraco. Nós sabemos o que ele tem, é grave, mas a ele foi dito que se trata de uma anemia mais forte. Tudo mudou. Trabalhava como um touro, agora vive seu outono. Lembro de algumas histórias dele. Puxo conversa. Testo para ver se a memória e as forças dele permitem resgatar algumas delas:
- Vô, o tio Natale ajudou a construir esta casa, não?
- É. Ele ajudou a trazer o material para o terreno.
E fica nisso, sem maiores detalhes. A história não era bem assim. Meu avô e seu então cunhado, irmão já falecido de minha avó, em suas juventudes, entraram num terreno de obra no meio da noite e pegaram tijolos, vigas e telhas que seus salários não permitiam pagar. E foi assim que ele construiu a casa onde ele vive até hoje, há mais de quarenta anos.
Haviam outras histórias, prestes a serem perdidas, de uma outra cidade, de um outro tempo. Ele dorme.
Após o almoço eu quero mostrar para minha mulher algumas coisas da casa e da cidade. Passo no quintal, onde pássaros se alimentam de milho jogado no chão. As jabuticabeiras e a plantação de alface, desde sempre ali. Visito a despensa. A velha espingarda, antigamente oculta com vergonha atrás da geladeira, agora é orgulhosamente exposta num suporte de ferro tosco. Empunho a arma, mais assustadora que sua carga de chumbinho permitiria ser. Cano de metal preto e comprido e empunhadura marrom .
Meu avô me ensinou a atirar nesta arma, a pescar e a fazer churrasco, coisas de galo macho. De tudo isso, só o conhecimento de pescar ainda é aproveitável. Não sei mais preparar carne, e não sei atirar em nada do arsenal moderno. Ninguém mais empunha aquelas espingardas.
Tudo muito fácil. Dobra-se o cano da arma até embaixo, até ela travar. Coloca-se o chumbo. O cano volta à posição original a fim encaixar de novo, com um clique. Lembro de pegar aquela arma uma vez, de enrolá-la num lençol branco e levá-la à casa de uma amigo, para uma competição particular de tiro. Andamos pela cidade nos achando o máximo, como dois patrulheiros. Atirava em alvos inanimados, nunca matei uma ave ou qualquer outro bicho com ela.
Empunho a espingarda. Digo à minha mulher:
- Querida, aqui é o cinturão da Bíblia. Todo mundo tem arma em casa. Minha avó usava essa espingarda para espantar os pedintes e vagabundos da frente de casa, quando ela ficava sozinha.
Quero testar minha mira. Há uma carcaça metálica de máquina de lavar no quintal, um bom alvo. Pergunto pela munição à minha avô, que responde sem ânimo:
- Ah, atire mais tarde. Vai espantar todos os meus pássaros.
A arma volta ao suporte.
Levo minha mulher para uma volta. A praça em frente à matriz, tantas vezes modificada, agora ostenta uma fonte. Até o próximo prefeito resolver fazer um coreto ou uma estátua. Há quiosques de lanches. E pensar que antigamente os únicos chapeiros da cidade resolveram abolir os hot-dogs para que a concorrência mútua não os destruísse.
Meu primo está lá perto, em frente a um de seus bares. Ele tem caça-níqueis e bocha à dinheiro no fundo, mas a polícia não o incomoda.
Há uma ligação entre a praça e a rua do comércio. Um túnel curto sob as linhas de trem. Quando eu tinha um metro e trinta ele parecia escuro e sempre cheirava à urina, não me arriscava lá. Tinha medo dos drogados, que ainda devem ficar por lá de madrugada.
Na rua do comércio está tudo fechado, mas há movimento perto da Prefeitura. Um carro da polícia passa com as sirenes ligadas. Andamos. Populares se aglomeram, cochicham. Pergunto a um deles o que está acontecendo, ele responde:
-Estão assaltando o correio. Há reféns.
Volto para casa em silêncio. Conto sobre o assalto para minha avó. Ela tinha ouvido algo da vizinha, que achava que era um assalto a banco. Comento:
- Nossa, até aqui está essa violência, não?
- Ah, é gente de fora. E eles estão se matando também. Matam só para ouvir o barulho. Caipiras com armas. Eles bebem e saem por aí, de caminhonete. De noite é só barbaridade. Gente dando tiro. E tem os drogados, os maconheiros. Naquele bairro depois da rodovia é uma peãozada nova, gente que veio trabalhar nas fábricas. É só confusão ali.
Em seu quarto, meu avô dormia, alheio a essas novidades. Nem ele nem minha avó dariam conta do que acontece hoje. Tudo politicamente correto e emocionante. Bandidos com indulto visitam a cidade de fim de semana.. Acabou o sossego, mas também acabou o tédio. Escuto atrás do muro passos no vizinho e uma conversa:
- Oi gordo, você viu, sô? Estão assaltando o banco lá na praça.
Novos tempos. A espingarda não serviria para nada. Melhor que ela fique na parede mesmo, enferrujando, sem espantar os passarinhos.
Minha mulher, típica pomba urbana, não se assustou com nada. Achou a cidade e todos muito simpáticos. Eu, que tinha visto certa vez um lugar bem diferente, fiquei um tempo largado na rede pensando em tudo, com a impressão de que tinha envelhecido rápido demais, com um saudosismo bobo que nem meu avó doente teria.

domingo, fevereiro 03, 2008

Muitas vidas em uma só

Emanuel é estudante de teatro. Deixou o Rio, onde só resta ao ator fazer novela na Globo, e foi fazer seu curso de interpretação no que considera ser a terra do principais palcos nacionais, São Paulo. Divide um quarto e sala com mais três universitários sem dinheiro.
Hoje é seu grande dia. Ele tem um teste marcado para um papel numa montagem moderninha de “Testemunha de Acusação”, peça da inglesa best-seller Agatha Christie, tudo a cargo de um diretor famoso. Um ótimo drama de tribunal.
No metrô, Emanuel consegue um lugar para sentar. Quinze minutos até a Avenida Paulista. Ele sonha.
“Agora é o começo”. Um bom papel para deslanchar de vez. Quem sabe o acusado? Ou o advogado de defesa. Imaginem só. Ele de pé, falando aos jurados, coberto com sua beca. A mão vibrou com a fúria da justiça sendo feita, o júri hipnotizado aos seus pés. Tinha o roteiro da peça nas mãos, e um outro livro, “A Preparacao do Ator”, clássico do russo Constantin Stanislavski.
Folheou o script. E se fosse o juiz? O texto dizia:

“JUIZ: (Após verificar o documento.) Acredito, Sir Wilfrid, que a testemunha tem a devida competência para falar nesta Corte“.

Há uma morena bonita de pé na sua frente. Emanuel larga o roteiro e empunha o “Preparação”, que chama mais atenção por ter a palavra “ator” no título do que a brochura amarelada e cheia de orelhas da peça. O livro diz o que ele é, um ator em preparo. Ela o olha. Com certeza ela a imaginar o cotidiano interessante dele. A cada dia com uma vida diversa. Como o ator que Ben Affleck viveu no filme Shakespeare Apaixonado, ele, no futuro teria um rol de muitos papéis, e seria conhecido por muitos nomes. Entraria no palco, como Ben, e proclamaria: “Eu sou Hamlet. Eu sou Romeu. Eu sou Falstaff.” Ou algo assim.
Estava na carreira certa, era atraente e magro, tinha tudo para se dar bem. Talvez possa começar sua trajetória como um jovem galã, sempre fazendo papel de mocinho. Beijando tudo quanto é colega bonita. Conforme passasse o tempo poderia interpretar jovens pais ou esposos. Sempre do bem. O genro perfeito. O empregado que todos os patrões querem.
Até que um dia surpreenderia a todos com um papel de vilão num filme. Um daqueles bem ruins. Um psicopata, algo assustador. A crítica seria unânime. Ganharia prêmios. Quem sabe um Oscar? Finalmente um brasileiro chegaria lá.
A moça desce do vagão, ele ainda tem mais algumas estações. Emanuel acha que ela o olhou antes de sair. Ah, garoto...
Leu os trechos mais importantes do Stanislavski umas duas vezes antes de dormir na noite anterior. Decorou trechos dos papéis do juiz, do advogado de defesa e do acusado. Ensaiou a respiração, a entonação, o gestual, a dicção, a voz. Balançou as mãos, até que elas ficassem naturais. Mirou-se no espelho até controlar o olhar. Alongou-se. Mal podia esperar para mostrar o que sabia ao diretor de elenco.
Estação Trianon. É aqui. É agora. Desceu do trem. Respirou fundo.

***

As coisas não se saíram como Emanuel esperava. Dezenas de candidatos como ele disputavam os papéis principais. Teve trinta segundos para a leitura do papel de juiz, outros vinte para o acusado, e só dez para o advogado de defesa. Nenhum dos papéis seria seu. O diretor de elenco o expulsou aos berros do palco, pedindo o próximo candidato.
Um péssimo começo, pensava o jovem, decepcionado. Fica para uma outra vez. Emanuel arrumava seus livros quando uma moça o chamou. Era a assistente do diretor de elenco:
- Moço, é o seguinte. O diretor quer você para um papel.
- Qual?
Um dos meirinhos, um oficial de justiça. Simples. Ele não tem falas, só fica parado perto do juiz, na cena do tribunal. O diretor quer uma pessoa que não chame muita atenção, com um rosto comum, magro como você. Você topa?
Emanuel topou. Ele começaria na semana que vem. Apesar de ser um papel simples, ele tinha que ir em todos os ensaios, lógico, e ainda daria uma força na contra-regra e trazendo água para o elenco principal, esse tipo de coisa. Pagava uma miséria.
Qualquer um se desanimaria. Mas não Emanuel. Ele seria o melhor meirinho que os teatros paulistas já viram. Ficaria parado ao lado do juiz, um dos papéis principais, o tempo todo. O juiz ocupa o centro do tribunal, e ele estaria ali. O papel exigia que ele passasse despercebido, mas isso não seria fácil, por ser alguém que chama a atenção. Muitos lembrariam de sua estréia, seria histórica, eles iriam ver só.
Um meirinho, com seu uniforme da corte, perfeitamente engomado, os cabelos bem escovados para trás, muito digno. Um representante da Justiça inglesa e da própria Rainha.
E seria a primeira de muitas vidas que Emanuel queria viver. Muitas vidas em uma só. Só um ator poderia fazer isso. Um dia lembraria de seu começo e daria risada. Celebrou em silêncio seu sucesso, emocionado, enquanto pegava o trem de volta.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Na rua Javari

Na soleira de casa o jornal anunciava: Juventus e Portuguesa se enfrentam pelo Paulista, na rua Javari. É hoje! Eu tinha que ir.
Não sou grande entusiasta de futebol. Alguém já disse que é como um filme que segue sempre o mesmo o roteiro. Mas ir em estádios é algo que me agrada. O contato com os populares é interessante. E sempre quis ir no estádio do Juventus. Homenagearia as minhas raízes italianas. Trata-se de um campo histórico do futebol brasileiro.
A ida ao campo envolvia um certo planejamento. É dia do rodízio de veículos na cidade de São Paulo, o que me deixava a pé. Iria até o metrô Bresser e depois andaria ou pegaria um táxi até o local da partida. Havia uma outra questão. Como sair do escritório para assistir um jogo por volta das quatro da tarde? Aí o rodízio me salvava, pois o dia em que fico sem carro das cinco às oito é o dia em que tenho que forçosamente sair mais cedo. Desculpa boa. Só teria que sair quinze minutos antes do normal. Compenso isso chegando uma hora mais cedo.
Mas quem poderia ir comigo, num dia de trabalho, ao jogo? Tento um amigo que tem uma agenda de trabalho mais flexível, mas nada dele atender o celular. Pena. Lá vou eu, só.
Um aniversário de colegas quase me impede de empreender a “fuga” do trabalho. Mas, destemido, vou. Após um curto trajeto de metrô, chego à Mooca, na Zona Leste paulistana. O tempo urge. Um táxi me deixa perto da Javari.
Perto do estádio torcedores dos dois times já se provocam. Camisas roxas do Juventus e as cores da Portuguesa se destacam aqui e ali. Churrasquinho e cerveja são servidos nos botecos.
Na porta do campo uma fila imensa desencoraja os atrasados. Muita gente já desiste. Bate-boca e confusão. A polícia tenta acalmar os ânimos. Parece o fim da linha para mim. Mas eis que sou abordado por um cambista amigo, que me vende o ingresso desejado com pouco ágio. Seria falso?
O ingresso é aceito. Adentro o estádio. Verdadeira várzea. Tudo lotado. Cabem pouco mais de três mil pessoas. É como um ginásio de esportes maior, mas aberto. Torcidas organizadas separadas (a tropa de choque impõe respeito). Sento atrás do gol do Juventus. Procuro evitar as câmeras, vai que meu chefe assiste a TV bem na hora...
Vou torcer para o Juventus, viva a italianada! Deixarei o meu Palmeiras por duas horas. Pequena chifrada sem maiores conseqüências.
O jogo rola no gramado ruim. O campo é muito, muito perto dos torcedores. Se eu cuspir, pega em alguém. Literalmente se pode sentir os choques dos jogadores. O movimento e a cantoria das pessoas me distrai, e eu mal vejo o primeiro gol do Juventus, lá do outro lado, marcado por Lima. Apoteose. O lado juventino vibra, e os portugas choram. O Moleque Travesso faz mais uma das suas, sempre subestimando os incautos.
Que belo time, que belo esquadrão! Juventus amigo, do meu coração!
Colo o olho no jogo, e logo sai o segundo gol, de Marcus Vinicius. Tudo vira carnaval. Mas logo vem um atacante da Portuguesa e desconta, bem nas minhas fuças.
Acaba o primeiro tempo. Resolvo pegar um lugar melhor, nas laterais. Munido de um sanduíche de presunto (será?), rodo pelo estádio. Um busto de Pelé anuncia: o gol mais bonito da carreira do Rei foi feito ali mesmo, na rua Javari. Isso eu lembro de ter ouvido no documentário Pelé Eterno. Ele deu um “chapéu em quatro jogadores adversários, incluindo o goleiro. Mas isso não foi filmado, uma pena.
Rumo à arquibancada, que surpresa! Encontro meu amigo Makarius, habitante da Mooca, curtindo suas férias com futebol. Seus irmãos estão na arquibancada. Junto-me a eles, embaixo de uma área coberta.
Começa o segundo tempo. Aí percebo que um ex-campeão do mundo abrilhanta a partida. Vampeta enverga a camisa 8 do Juventus. Não gosto dele. Mistura de vampiro com capeta. Deu cambalhotas na rampa do Planalto. Posou nu numa revista gay. E, isso é o pior de tudo, jogou muito tempo pelo Corinthians. Puxo o coro, sem sucesso: Ei, Vampeta, vai...vocês sabem o quê...
Makarius, mais carismático, começa a gritar: Juventus, e ô, Juventus, e ô, e seu grito se espalha pelas arquibancadas, para o ódio dos lusitanos.
Pombos nos ameaçam, voando sobre nossas cabeças, com suas armas letais, verdes ou brancas.
A partida segue. Allan Dellon (hã?) do Juventus, marca o terceiro. Logo vêm outro gol da Portuguesa. A nação juventina começa a pedir o fim da partida. E chega o apito final. Juventus 3, Portuguesa 2. Até que fui pé-quente, não?
Meu amigo me oferece uma carona de carro até o metrô. Passamos pela praça mais feia da Mooca, de nome justamente “Viva a Mooca”.
Sobrevivo aos trens lotados e chego em casa. O Juventus ganha mais um torcedor. O que farei se ele jogar contra o Palmeiras? Não é possível ser salomônico a este ponto...fico com o Palmeiras.
Mas conhecer um lugar é passar a se importar com ele. E agora sei que na rua Javari, bairro da Mooca, São Paulo, há o maior e melhor campo de várzea do mundo.