Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

Nome:

Advogado, vive em São Paulo

segunda-feira, outubro 30, 2006

Eleições

Finalmente acabou! Foi uma campanha longa, e o candidato vencedor estava nela desde janeiro de 2003.
O que há para ser dito? Nada.
Nenhuma novidade. Tudo seguirá igual.
O quê? Vocês têm esperança que algo mude?
Não direi mais. Se eu não tenho nada de bom a dizer, vou ficar quieto.
Este post é apenas para não me acusarem de alienado. Mas minha vontade era silenciar. Muito gente que conheço votou nele. Não quero chateá-las com que eu acho.
Até 2008, quando a democracia volta. Eleições para prefeitos e vereadores. A conferir.
P.S - Outra coisa só volta mais tarde também. Viajo amanhã e este blog fica abandonado até domingo próximo. Leiam os arquivos.

domingo, outubro 29, 2006

Racismo e demagogia

Em São Paulo três rapazes foram presos em flagrante no dia 22 de outubro sob a acusação de crime de racismo, previsto na Lei 7.716/89, por afixarem cartazes em muros com os seguintes dizeres:
“Vestibulando branco, hoje eles roubam sua vaga nas universidades públicas. Se você não agir agora, quem nos garante que eles não roubarão vagas nos concursos públicos?”
Os cartazes traziam uma caricatura de um negro segurando uma folha da Fuvest (o vestibular da USP) com o carimbo de aprovado.
Ao que consta, os rapazes presos são membros de uma organização neonazista, a facção White Power (força branca).
Temos questões delicadas nas mãos, o racismo e a liberdade de expressão.
A História registra a crueldade nazista, as perseguições e o massacre de judeus e ciganos, e os desastres surgidos em nome da supremacia de uma raça sobre a outra, como o genocídio ocorrido em Ruanda em 1994.
O Brasil, em que pese não sofrer de um racismo aos níveis da loucura alemã ou ruandesa, ainda tem um grande passivo na área de combate à discriminação. Negros, índios, mulheres, homossexuais e minorias ainda sofrem preconceito, de forma velada ou ostensiva, com agressões, salários mais baixos, desemprego e falta de acesso a direitos.
Mas o próprio, digamos, objeto do preconceito, é discriminado. O art. 20, par. 1º, da Lei 7.716/89 prevê pena de 2 a 5 de reclusão para quem : “Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
Ora, e por que quem fizer o mesmo em relação ao socialismo, que é e foi uma doutrina política muito mais assassina, não é punido? Os 70 milhões de mortos da China de Mao. Os milhões de mortos da URSS de Stálin. Os milhares de mortos da Cuba de Fidel.
Temos inúmeros partidos com socialismo ou comunismo no nome. Socialistas ocupam cargos importantes e ganham polpudas pensões de perseguido político. E só os nazistas são punidos. Mas, ora, fale-se em punir o socialismo e já se falará em perseguição política.
O Brasil busca acabar com o racismo na base da canetada. O senador Paulo Paim promove o Estatuto da Igualdade Racial como a lei que irá acabar com séculos de discriminação da população negra. Importa o sistema de cotas dos EUA sem refletir se servirá mesmo para promover a igualdade. Quer impor a obrigatoriedade da identificação da raça nos documentos, como foi feito em Ruanda antes do genocídio.
Não me estenderei sobre o tal Estatuto, que é uma bobagem total, até para o próprio movimento negro, que o defende com unhas e dentes. O jornalista Ali Kamel, em “Não Somos Racistas” (Ed. Nova Fronteira) trata do tema em detalhes e destrói os argumentos de Paim.
De volta à questão dos rapazes presos, quem decidirá o que é preconceito ou não? O que é discriminatório? Quando acaba a liberdade de expressão e começa o crime? Usar uma camiseta em que está escrito “White Power” (poder branco) é crime? E uma em que se leia “100% Negro”? Estão eles dentro do seu direito de crítica?
Toda a legislação sobre racismo mereceria ser revista, começando pela Lei 7.716/89. O próprio fato de ser cláusula pétrea na Constituição a imprescritibilidade e a inafiançabilidade do crime de racismo é absurda e demagógica. Xingar um negro por sua cor de pele pode levar, cinqüenta anos depois, a um processo sem direito à liberdade antes da sentença. Mas matar o mesmo negro com um tiro não. E o assassino ainda aguardaria em liberdade o fim do processo, se réu primário.
A discussão sobre o Estatuto da Igualdade Racial deve ser feita num espírito de entendimento. Minha esperança é de que os próprios interessados percebam a armadilha em que colocarão o Brasil caso ele seja aprovado do jeito que está. A lata de lixo das boas intenções é o melhor destino do Estatuto.
Os rapazes presos por racismo, por fim, deverão ter direito a um julgamento justo e imparcial. O melhor seria colocá-los em liberdade até o fim do processo, se for o caso de liberdade provisória, pois a própria Constituição está a ferir suas dignidades e garantias fundamentais, diante do que pode ser um crime de opinião.
É crime de opinião, cuja punição é vedada por nossa Constituição, ou é racismo? Os rapazes presos tem o direito de discutir essa questão e de ter uma opinião, até porque suas liberdades estão em jogo. O método usado pelos rapazes pode até ser abominável, mas eles tem todo o direito de serem contra as cotas para negros.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Machista, eu?

Recebi uma crítica à minha crônica "Três Histórias Sobre Confiança", da advogada e blogueira Simone Andrea (http://simoneandrea.blogspot.com/). Publico o comentário e a minha resposta:

simone andrea disse...
Seu texto tem um viés machista, ao afirmar a "curiosidade feminina" em caráter geral. Histórias antigas devem ser lidas com espírito crítico redobrado, pois, quanto mais retrocedemos no tempo, mais preconceito encontramos. Os homens detestam, na verdade, qualquer iniciativa da mulher, e a curiosidade é um gesto de quem vive, pensa, faz a hora e não espera acontecer. Enfim, os homens detestam mulher que cobra, fala alto, exige seus direitos, seu lugar no mundo, respeito e amor. Mulher que questiona? Ai, que horror! Os homens enaltecem as cretinas, as passivas, as convenientes. Convido você a visitar meu blog, onde melhor exponho meu ponto-de-vista, especialmente no texto "Queremos Amá-los", de junho/2006.
23/10/06 16:39

Luiz Augusto disse...
Olá Simone, obrigado pela visita.Discordo sobre o viés machista do texto. Como você bem disse, são histórias antigas, e que pelo simples fato de eu ter enxergado uma conexão entre elas e me disposto a relembrá-las numa crônica não me faz concordar com elas. Ou me torna machista.Seria o mesmo que dizer que quem traduz o Mein Kampf ou cita trechos deste livro de Hitler é nazista. Na história de Orfeu é este que não confia que sua amada está ao seu lado. Na verdade, há um "placar" na crônica de 2 mulheres desconfiadas X 1 homem desconfiado. O "curiosidade feminina" do final do texto, que despertou sua indignação, tem mero efeito irônico e cômico, acerca da estereotipada visão dessa suposta característica das mulheres.Continue visitando. Passarei em seu blog.

sábado, outubro 21, 2006

Arte no Lei Seca: "Mulher em depressão, nº 1", por Gabriela



Disponibilizo aos leitores, em primeira mão, um esboço de autoria da artista Gabriela

Welcome to Mooca

Recebi o anúncio de um empreendimento imobiliário no bairro da Mooca, cidade e estado de São Paulo, Brasil. Ressalto bem o endereço, para que não haja enganos. Não é em New York, Chicago ou Los Angeles. É aqui, na Zona Leste paulistana, perto da Rua dos Trilhos.
O condomínio será dotado de lan house, varanda gourmet, pet place, body center, my party, bricolage area, cultural pack, office space, car wash e beauty center.
Chique, não?
Sorry, no. É ridículo.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Quanto vale ou é por quilo?

Primeiro dia em que o pão francês é vendido por quilo e eu já senti um aumento de 20% no preço. Tudo porque a padaria da qual sou freguês é honesta, e já fazia um pão de 50 gramas com peso a mais. Agora, pesando, fica mais caro.
Lembrem-se de Bertolt Bretch: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas."
Bom, eu podia jurar que ele falava de pão no texto. Mas serve.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Fome Zero no Leblon

Notícia recente indica que alguns dias atrás uma petista, vestindo a camisa do seu candidato à Presidência, foi violentamente mordida por uma mulher no Leblon, bairro carioca. A força do ataque foi tanta que a vítima teve seu dedo arrancado.
Hannibal "The Cannibal" Lecter está orgulhoso.
E diziam que essa campanha estava chocha, que a política não despertava mais paixões...
Claro que desperta! O bom e miserável povo do Leblon, cansado de anos de abandono e descaso por parte do governo federal, e por não receber espaço nos programas assistenciais, como o Fome Zero e Bolsa-Família, resolveu lutar.
Não é por aí. Acho que nem um desinformado que fosse numa assembléia sindical no ABC usando uma gravata estampada de tucanos receberia um tratamento assim. Shame on you, patricinhas do Leblon!

segunda-feira, outubro 16, 2006

Resenhas tardias: Anti-Herói Americano

À primeira vista a história de Harvey Pekar, um americano típico, casado, arquivista de um hospital na cidade de Cleveland, no estado de Ohio, não atrairia muito interesse. Era o mero drama de um homem comum rumo à meia-idade. A ação em sua vida era se divorciar, viver cada vez mais sozinho num apartamento repleto de discos de jazz, ter problemas de dinheiro, e estar à beira da depressão.
Mas essa história aparentemente banal se tornou um longa-metragem, estrelado por Paul Giamatti (o homem depressivo por excelência). A razão foi a obra criada por Pekar, as histórias em quadrinhos da revista American Splendor (que, aliás, é o nome original do filme).
Tudo se deveu à amizade de Pekar com o lendário cartunista Robert Crumb, criador do gato Fritz e de Mr. Natural. Crumb, ao morar um tempo em Cleveland durante sua juventude, veio a conhecer um colecionador de discos e entusiasta de jazz, justamente Harvey. Ficaram amigos, os anos passaram, e os quadrinhos de Crumb se tornaram um grande sucesso, a ponto de se tornar um dos símbolos do underground americano.
Harvey, enquanto isso, apenas gastava seus dias no arquivo do hospital. Divorciou-se, e o tempo o tornava mais e mais casmurro e isolado. Gastava todo seu dinheiro em discos de jazz, que ocupavam todos os espaços de seu lar. Certo dia, apanhou uma pasta do arquivo de um paciente morto. O homem tinha sido arquivista, como ele. Um desconhecido. A vida dele passara, sem deixar marcas.
Isso abalou Harvey, que resolveu fazer algo mais que ser um mero funcionário subalterno num hospital. Ele começou a escrever roteiros de histórias em quadrinhos. Rascunhava as tramas e os esboços em papel e utilizava bonecos de palito para visualizar suas idéias. Tinha um plano. Usaria o dinheiro que gastava em discos para financiar a publicação. Havia um porém, não sabia desenhar.
Mas isso não era problema para quem era amigo de um desenhista consagrado. De tempos em tempos , Crumb visitava Cleveland e revia a velha patota. Numa dessas ocasiões, Harvey mostrou suas histórias ao cartunista, que se interessou pelo material. Logo surgia a revista American Splendor, que seria ilustrada por diversos artistas, “convencidos” por Harvey a trabalharem para ele. Até hoje, é a única parceria de Crumb com outro roteirista, já que o cartunista elaborava suas próprias tramas.
Diferente de outros quadrinhos, American Splendor não tratava de super-heróis ou alienígenas. Também não era como as histórias de Crumb, que tinham animais falantes ou nonsense, com um pé no fantasioso. Harvey tratava simplesmente da sua vida, a história de um homem médio, às voltas com velhas judias que travavam a fila do supermercado e office-boys que buscavam um extra vendendo discos usados. Os pequenos dramas, desejos e frustrações dos habitantes de Cleveland, uma cidade sem glamour e pouco citada no imaginário americano.
Pekar fez sucesso com suas tramas. Uma dona de loja de quadrinhos de outro estado, Joyce, fã de seu trabalho, começou a se corresponder com Harvey. Logo ela estaria largando sua cidade e se mudando para Cleveland. Estão casados até hoje.
As histórias de Pekar também atraíram a mídia, que logo se interessou pela história do arquivista que roteirizava quadrinhos nas horas vagas. Até peças de teatro foram montadas tendo por base American Splendor, uma delas estrelada por Dan Castellaneta, a voz original de Homer Simpson, do longevo seriado Os Simpsons. A MTV descobriu os amigos bizarros e nerds de Harvey e os expôs em esquetes.
Harvey passou a ser convidado regular do programa do entrevistador Dave Letterman. Mas o relativo sucesso não permitia que Harvey largasse seu trabalho no hospital. Em sua neura e rabugice, passou a desdenhar da atenção recebida, chegando ao ponto de ser uma das poucas pessoas que irritaram o sempre bonachão Dave. Uma das conturbadas visitas de Harvey ao Late Show, de 1988, pode ser vista no site YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=iBr4NxujLvw). Dave acabaria por banir Harvey de seu programa.
O filme tem interessantes inserções de animação, como no trecho em que Joyce está para conhecer Harvey, que só conhece dos quadrinhos, e tem dúvidas sobre sua aparência. De acordo com uma concepção artística, Harvey podia ter a aparência de um jovem Marlon Brando. Na visão de outro desenhista, podia ser um gorila peludo.
Até mesmo dramas pesados de Harvey, como a sua luta contra um câncer, virou história em quadrinhos. Our Cancer Year trata de sua dolorosa experiência, e foi uma graphic novel bastante premiada.
A Conrad, que lança no Brasil a obra de Crumb e Neil Gaiman (adoro essa editora!) tem em seu catálogo o livro Bob & Harv: Dois Anti-Heróis Americanos (American Splendor presents Bob & Harv´s Comics), compilando algumas histórias de Pekar que Crumb desenhou. Como sempre digo, esse livro é encontrado nas melhores casas do ramo, não ganhei nada com isso.
Achei o filme interessante. Confesso que assisti porque era a história de um amigo de Robert Crumb, de quem sou fã. Mas a história de Harvey Pekar tem brilho próprio. Seu sucesso tem razão de ser. Diferentemente de outras ficções, em que o leitor muitas vezes é atirado em mundos de fantasia, onde pessoas voam e usam a cueca por cima da calça, Pekar usou os quadrinhos para mostrar a vida real, e isso era uma novidade neste meio. Qualquer um podia se identificar com suas histórias, e não precisava mais ler os jornais ou um romance para isso, e sim letras em balões e desenhos.
Aliás, está mais que na hora dos quadrinhos terem o seu status de arte reconhecido, já que alguns grandes criadores, como Will Eisner, e os já citados Gaiman, Pekar e Crumb, escolheram essa mídia para dar vazão às suas imaginações. Assistir esse filme pode colaborar para tanto.

Ficha Técnica - Anti-Herói Americano (American Splendor, EUA/2003, 101 min. Comédia dramática. Dir. Shari Springer Berman e Robert Pulcini)

domingo, outubro 15, 2006

Lei Seca Alerta: Diga não à caneta preta!

Aviso aos leitores concurseiros deste site que não é preciso comprar canetas pretas dos vendedores que rondam os locais designados para os concursos públicos. Munidos de cartazes e muita gritaria, os espertos marreteiros se aproveitam da fragilidade e ansiedade dos candidatos para empurrar seu estoque de Bics negras, fazendo crer que só elas servem para fazer a prova e preencher o gabarito, já cientes que todos vêm de casa com suas canetas na cor azul. E todos compram pelo menos duas, para garantir.
Claro que a caneta azul é válida para qualquer concurso! O resto é papo de malandro.
Então vocês, leitores alertas do Lei Seca, já sabem o que dizer: "Caneta preta? Não, obrigado".

segunda-feira, outubro 09, 2006

A atualidade de Nelson Rodrigues

"Só o canalha precisa de uma ideologia que o justifique e o absolva" (IN Toda Nudez Será Castigada).

Gosto também daquela frase do Otto Lara Resende, que um personagem de Nelson cita à exaustão em seu Bonitinha Mas Ordinária, até meio fora do contexto: "O mineiro só é solidário no câncer".

sábado, outubro 07, 2006

Três histórias sobre confiança

A confiança é uma das bases da vida em sociedade. É através dela que estabelecemos as relações de amizade e as amorosas. É no confiar que empresas são abertas e ações destas são compradas por investidores. Acreditar nos outros nos faz consumidores. O trânsito só flui porque há uma crença de que os outros motoristas respeitarão o sinal vermelho. Embarcamos em trens e aviões contando que nada venha na contramão.
Resolvi então lembrar de três histórias de amor, em que a confiança (ou melhor, a falta dela) levam a desfechos trágicos.
A primeira é Lohengrin, ópera de Richard Wagner, que tive duas ocasiões de assistir. Uma em montagem no Teatro Municipal de São Paulo, em 2004, em regência de Ira Levin. Outra no DVD da apresentação na Ópera de Viena em 1990, com Plácido Domingo no papel principal.
Essa ópera narra a história, passada no século X, em Antuérpia, de Elsa, filha do falecido duque de Brabante. A região está em caos desde a morte do duque, e ameaça de invasão dos húngaros faz o rei alemão Henrique ir até lá a fim de reunir um exército de defesa. O jovem irmão de Elsa, Gottfried, está misteriosamente desaparecido.
Com a chegada do rei, o conde Telramund, incitado por sua esposa Ortrud, acusa Elsa de ter assassinado Gottfried a fim de governar Brabante ao lado de um amante desconhecido.
Diante da acusação, é decidido que a questão será resolvida por uma ordália, um juízo de Deus, uma forma de julgamento em que a razão estará com o vencedor de um combate. Telramund lutará com um defensor de Elsa. Esta diz que aguarda a chegada de um cavaleiro em brilhante armadura enviado por Deus.
Eis que, vindo do rio, surge num bote puxado por um cisne um cavaleiro, completamente armado. Este se dispõe a lutar por Elsa e a casar com ela, desde que ela nunca lhe pergunte seu nome ou origem. Ela concorda, e o cavaleiro vence Telramund e lhe poupa a vida.
Elsa e o cavaleiro se casam. Mas o banido Telramund e sua esposa continuam a fomentar intrigas e aos poucos instalam a dúvida no coração de Elsa. Esta vive plena felicidade ao lado do cavaleiro, que, lembremos, duraria enquanto esta nunca perguntasse seu nome e origem. Em seu leito nupcial, sendo a curiosidade feminina universal, e envenenada pelas fofocas de Ortrud, pergunta ao cavaleiro qual seu nome e origem. Nesse momento são atacados por Telramund. O cavaleiro se defende e mata o conde.
O corpo do conde é levado diante do rei.. O cavaleiro, arrasado, responde às perguntas de Elsa diante de todos. Diz ser Lohengrin, filho de Parsifal, e é um dos cavaleiros que defende o Graal. Vem do castelo de Montsalvat, e perde seus poderes quando é forçado a revelar sua identidade. O cisne reaparece no rio. A ave é na verdade o desaparecido Gottfried. Lohengrin parte para sempre e Elsa morre de desgosto.
A segunda história é a lenda bíblica da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, narrada no livro do Gênesis. Lot, um virtuoso homem que vivia em Sodoma, e sua família, seriam os únicos poupados da destruição das duas cidades, que muito desgosto causavam ao Deus dos Exércitos, por serem antros de pecado e injustiça.
Dois anjos enviados por Deus avisam Lot. Este deveria, com sua mulher e suas duas filhas, sair da cidade, em direção a um monte seguro. Os anjos ainda advertem que estes, na fuga, não deveriam olhar para trás, nem parar na planície entre Sodoma e o monte.
Eis que Deus faz chover fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra, e tudo e todos nestas cidades são destruídos. Na fuga, a mulher de Lot não se agüenta de curiosidade (mulheres!) e olha para trás. É transformada numa estátua de sal.
A terceira história é a célebre lenda de Orfeu, que assisti também no Municipal, em montagem da ópera de Claudio Monteverdi.
A história se passa na Grécia, na Antigüidade. Orfeu, talentoso cantor e músico, é um semideus filho de Apolo e de Calíope, a mais importante das musas. Ele se casa com Eurídice e vive um romance ideal. Sua felicidade acaba quando sua mulher vem a morrer, mordida por uma serpente.
Desolado e movido pela morte de sua amada, Orfeu desce até os portões do Hades, o Inferno, acompanhado somente da sua voz e da Esperança. Esta não pode passar dos portões, em citação à obra de Dante Alighieri (“Lasciate ogni speranza o voi ch´entrate" - Abandonai toda esperança, ó vós que entrais).
Para entrar no Hades, Orfeu deve dobrar a resistência de Caronte, o barqueiro sombrio, que conduz as almas ao Tártaro. Este não deixará Orfeu passar, pois só mortos podem seguir adiante. Com sua voz maviosa, Orfeu faz Caronte adormecer, ocasião em que se apodera do barco.
Orfeu deverá ainda convencer Plutão (não o ex-planeta), o deus senhor do Hades, a devolver-lhe sua amada. Sua música convence também a divindade, na condição que Orfeu, enquanto não deixasse o território infernal com Eurídice, não olhasse para a amada, sob pena de perdê-la para sempre.
Desconfiado de que não era sua amada quem conduzia ou que as Fúrias a estivessem raptando, Orfeu não resiste e olha para Eurídice, que vinha puxando pelo braço. A curiosidade custará caro. Em castigo deverá deixar o Hades sem ela.
De volta ao mundo dos vivos, Orfeu segue amargurado até ser dilacerado pelas bacantes, por se recusar a amar outras mulheres. Na ópera esse final trágico é atenuado, pois na peça ele é conduzido aos céus por seu pai Apolo.
As três histórias tem um comum o fato da confiança ser exigida por um deus, e de ser a pessoa amada a pessoa a quebrá-la. Em Lohengrin e na história de Lot, quem a pede é o deus cristão, através de avatares (um cavaleiro e dois anjos, respectivamente). No caso de Orfeu, é o senhor dos infernos que a pede, e, para horror de alguns, até este pode ser confiável, ao contrário dos sempre ardilosos mefistófeles da Literatura. Hades aqui cumpre o que promete.
Essas histórias mostram que, no terreno do amor, a confiança na pessoa amada é muito importante. Às vezes não precisamos saber da origem ou classe social da pessoa, e o nome pode ser até desnecessário. Não precisamos ver o mal e os amores antigos que deixamos para trás ao iniciar uma nova história com quem amamos. E podemos até seguir passos à frente, mesmo separados por algum tempo, confiando que a pessoa amada ainda estará junto de nós.
Outra moral das histórias é que a curiosidade nem sempre é uma coisa boa. Aqui com uma ligeira predominância da curiosidade feminina.

quinta-feira, outubro 05, 2006

O blog do Joe Sharkey

Para quem se interessar, um link para acessar o blog de Joe Sharkey, o jornalista do NYT que estava no Legacy do fatídico vôo 1907:

http://www.joesharkey.com/

Notem que o blog dele é bem recente (agosto de 2006) e que nossa página é bem parecida (Creio que usamos o mesmo Modelo, Scribe).

Mas tem gente fazendo comentários em português num site em inglês de um jornalista americano! Claro que ele não está entendendo nada.

O Rapa

Só quem estuda ou trabalha no Centro Velho de São Paulo (e é obrigado a ir lá de segunda a sexta) conhece um fenômeno conhecido como "rapa". É quando a guarda municipal passa recolhendo os produtos vendidos pelos marreteiros, e às vezes até prendendo alguns.
Ela pode ser realizada por uma perua cheia de guardas, como eu vi hoje, ou por um único guarda caminhando sozinho pelas rua apinhadas de gente.
A notícia do "rapa", como um telefone sem fio do caos, se espalha pela Rádio Peão. Um camelô apanha o grito no ar, e o lança a outro, que o lança a mais um, quase como no poema dos galos do João Cabral de Melo Neto, "Tecendo a Manhã". É como se um leão estivesse solto nas ruas.
Um guarda caminha despretensioso na Praça da Sé e um minuto depois a notícia já está na Liberdade, se espalhando como a onda de um tsunami. A existência do "rapa" se prova pela agitação dos vendedores e pelo recolhimento súbito de suas ofertas.
Isso é coisa típica dos paulistanos.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Teje preso!

Os produtores de cinema Diler Trindade e Walkiria Barbosa defendem a pena de prisão para os que compram DVD´s piratas. Foi o que disseram no Festival (de cinema) do Rio, segundo o Estadão ("´Pirataria também é problema social´, diz Cacá Diegues", Caderno 2, pág. D10)
Diler: "Se há consumo, há venda. Devemos penalizar o consumidor"
E Walkiria: "Como empresária, quero identificar e ver presas pessoas que prejudicam nossa atividade"
Cacá Diegues, diretor de cinema, teve uma postura mais sensata. Segundo ele: "É como prender o drogado, coisa que a Justiça brasileira já descartou".
Vá lá combater a pirataria, os contrabandistas e quem lucra com o furto da produção cultural. Mas daí a querer prender quem compra filme pirata já é demais. Haja prisão se isso fosse crime, prática disseminada entre todas as classes sociais. Principalmente as classes média e alta, que tem dinheiro para ter aparelho de DVD em casa. Ia ter muito bacana preso, e uma demanda de 50 presídios do tamanho do antigo Carandiru para abrigar todos.
Não gosto dessa banalização do Direito Penal, sempre a última opção para reprimir condutas que a sociedade não tolera.
E tome "Teje preso".
Em protesto, não assistirei mais a filmes da Xuxa e dos Trapalhões, produzidos pelo senhor Diler Trindade, enquanto este não se retratar (favor não me avisem se ele o fizer).

Febeapá

Está sendo relançado, num único volume, a conhecida obra de Sérgio Porto, Festival de Besteira que Assola o País, ou Febeapá, reunindo os três livros de crônicas sobre o absurdo escritos sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta (Ed. Agir, melhores casas do ramo, não ganhei nada com isso).
Desde 1968, com a morte do autor, poderiam ter sido escritos mais uns 250 volumes (e mais uns 100 volumes de notas de rodapé) com as besteiras em terras brasileiras desde então.

Quase propaganda do Corredor Literário

Eu ia divulgar aqui o Corredor Literário na Avenida Paulista, que o jornal informou estar ocorrendo nessa semana. Nesse evento, em pontos espalhados na dita Avenida, estariam ocorrendo performances e exposições sobre literatura e língua. Letras gigantes marcariam os locais. Mas, no trecho que caminhei hoje, entre a Brigadeiro Luís Antonio e a Alameda Campinas, lado do Centro, não havia nenhum ponto indicando a existência do evento. Muito menos letras gigantes...
Tentarei andar num outro trecho amanhã. Será que está tendo mesmo?

terça-feira, outubro 03, 2006

Resenhas tardias: Sob a Névoa da Guerra

Assisti recentemente “Sob a Névoa da Guerra” (“The Fog of War”), vencedor do Oscar de Melhor Documentário de 2003. O filme trata da vida de Robert S. McNamara, que foi Secretário de Defesa dos governos dos Presidentes dos EUA Kennedy e Johnson.
No cargo ele enfrentou a crise dos mísseis de Cuba e boa parte da Guerra do Vietnã. Em suas próprias palavras, por sete anos ele viveu a Guerra, não Fria, como ficou conhecido o confronto entre o bloco dos EUA e o bloco da URSS, mas Quente.
À época do seu convite para a Secretaria, McNamara estava há pouco tempo na presidência da montadora automobilística Ford, tendo sido o primeiro não-membro da família que dá nome à empresa a ocupar o cargo. Era um dos executivos mais bem pagos do mundo, e trocou seu posto pela aventura incerta e relativamente mal-remunerada de comandar a poderosa máquina militar do país mais rico do mundo.
O destaque em sua carreira privada foi a provável causa de sua condução à Secretaria, mas o filme mostra outras passagens da vida de McNamara, como a sua atuação nas Forças Armadas americanas durante a Segunda Guerra Mundial. Como oficial de inteligência da Força Aérea, ele teve importante participação no front do Pacífico.
Talentoso, graduado em Harvard, bom com os números, McNamara participou do planejamento dos ataques aéreos às cidades japonesas. Na frieza das planilhas e das estatísticas, os americanos buscavam a forma mais eficiente de bombardear, levando em consideração a altura dos aviões, a quantidade de bombas, as maneiras de reduzir o cancelamento de missões e minimizar a perda de aviões e pilotos, entre outros fatores.
O objetivo principal dos bombardeios era evitar a temida invasão por terra das ilhas principais do Japão, que seria custosa em número de vidas americanas. Posteriormente isso foi o pretexto do lançamento das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. Mas os bombardeios de Tóquio e outras cidades japonesas por bombas incendiárias foram igualmente destrutivos. Cem mil pessoas morreram na noite em que Tóquio foi bombardeada.
McNamara, sobre os planejamentos dos bombardeios, alega que não se buscava uma eficiência no sentido de matar mais, mas de vencer a guerra, preservando as vidas e os recursos existentes. Posto num contexto histórico, o objetivo dos que fazem a guerra realmente é fazer seu lado vencer com o menor prejuízo possível, à custa do inimigo. Mas, como o próprio McNamara admite, se eles tivessem perdido a guerra, teriam sido julgados como criminosos.
Não se pode esquecer também que o Japão resistiu demais a reconhecer que não venceria a guerra, e pagou com a vida de seu povo pela teimosia de seus líderes, mesmo antes das bombas atômicas. E a ênfase na preservação das vidas de soldados dos Aliados obliterou qualquer prurido em preservar as vidas de civis inimigos. A guerra é mesmo a morte da razão.
Conhecendo o “American way of life”, creio que as credenciais de McNamara pré-Ford não passaram despercebidas pela Casa Branca. Kennedy estava escolhendo um senhor da guerra experimentado e ótimo administrador de recursos como seu Secretário de Defesa.
Uma das primeiras provações de McNamara como Secretário foi o fiasco da Baía dos Porcos, mal mencionado no filme. Outra foi a crise dos mísseis nucleares de Cuba.
Sobre esta crise, é mencionada a lição “Empatize com o inimigo”. Ou, no popular, “Ponha-se na pele do inimigo”. O acordo para a retirada dos mísseis em Cuba só foi possível ao dar aos líderes soviéticos concessões que parecessem uma vitória para estes, como a retirada de alguns mísseis em solo europeu (que os americanos sabiam ser obsoletos) e a garantia de que estes não invadiriam Cuba (já não iam mesmo, depois do rescaldo da Baía dos Porcos). À portas fechadas, os americanos se congratularam, haviam vencido. Haviam evitado a guerra nuclear.
Depois veio a Guerra do Vietnã, o que rendeu a McNamara eternos questionamentos. A extrema direita americana o acusa de ter perdido a guerra. O resto diz que os EUA sequer deveriam ter ido para o Sudeste Asiático.
Com algumas ressalvas, creio que os EUA erraram de início ao ter ido, mas, uma vez lá, não poderiam ter saído. Tanto que sua retirada foi a senha para a tomada do poder pelos comunistas no Vietnã, e deixou asfaltado o caminho para que Pol Pot e o Khmer Vermelho tomasse o poder no Camboja, com o conhecido custo de milhões de vidas que se seguiu. Tal permite até um paralelo com a Guerra do Iraque. Os EUA talvez não devessem ter ido ao Iraque, o que não é o assunto do artigo, mas agora, uma vez lá, tem o dever de controlar os terroristas e criar um país com instituições e viável.
O Vietnã era uma guerra que não tinha como ser ganha. Como McNamara diz no filme, não houve empatia com os vietnamitas e compreensão de sua motivação. Esses viam os americanos somente como os colonizadores de plantão, em substituição aos franceses. Em tal foram embuídos de fúria e sentimento de patriotismo em defender sua terra.
Três vezes mais bombas foram jogadas no Sudeste Asiático durante a Guerra do Vietnã do que em toda a Segunda Guerra Mundial, mas com efeito menor. O Vietnã e o Laos não eram economias industrializadas, com grandes cidades que pudessem ser afetadas com bombas. Só poderia ter sido com guerra terrestre, e mesmo com o envio maciço de tropas não foi possível derrotar a guerrilha e a selva.
O custo de vidas para os americanos foi alto, por volta de 58.000 vidas (25.000 até McNamara deixar o cargo), mas as perdas para os asiáticos é contada em milhões.
Robert Mcnamara diz que muita da responsabilidade pela Guerra foi do Presidente Johnson. Uma vez decidindo-se pelo escalamento do conflito, só restava a McNamara demitir-se do cargo, o que ocorre em caso de discordância entre um ministro e o Chefe do Executivo. Mas ele ficou, e tentou ganhar a Guerra. Talvez tenha sido a tentativa de corrigir um soneto errado com emendas certas. Como Edward Teller, o pai da bomba H, tentou achar usos para sua invenção apocalíptica. Como os “falcões” da Guerra do Iraque tentam reverter um quadro desesperador.
McNamara, após deixar a Secretaria, tornou-se presidente do Banco Mundial. Paul Wolfowitz, ideólogo de Bush filho, ao deixar seu governo, também.
Um personagem de certa melancolia, McNamara carrega a culpa de uma ferida aberta no espírito dos americanos. Tem sim, sua parte de culpa. Mas é difícil sair impune do difícil cargo de bombeiro do Inferno, comandando a maior máquina militar do planeta em plena Guerra Fria.
Recomendo o filme a qualquer um que queira entender o que foi a Guerra Fria pelo olhar de um de seus principais guerreiros.

Ficha técnica - Sob a Névoa da Guerra (The Fog of War, EUA/2003, 107min.) – Documentário. Dir. Errol Morris. Distribuição Sony Pictures.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Eleitoreiras...

Não vou comentar sobre os vencedores da eleição. A eles, as batatas. Estou farto de semideuses. Falarei dos perdedores.

1-) Fernanda Karina Sommaggio não se elegeu deputada federal. Quem? A secretária de Marcos Valério, que foi dedo-de-seta na CPI dos Correios. Ela saiu de Minas para tentar uma vaga aqui em São Paulo e teve 2.307 votos. Seus erros: 1-) Devia ter ficado em Minas; 2-) Não tinha dinheiro para a campanha; 3-) Não era para ser, e ponto. Se nem a Playboy a quis (e essa revista já aceitou coisa pior), porque o bom povo paulista haveria de querer?

2-) Perderam também os membros do Ministério Público que cuidam das ações criminais contra o Maluf, que ganhou um conveniente foro privilegiado no STF.

3-) Perde o Lula...o voto de sua tia analfabeta de Caetés, que se embananou com urna eletrônica. Já cantava Renato Russo:

"Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos"

4-) Perdem o Papai Noel e o Coelho da Páscoa. Pois há coisas mais fantasiosas em que se acreditar, como em pesquisas e segurança da urna eletrônica.

5-) Perde Severino Cavalcanti, que também se confundiu com a urna eletrônica e não conseguiu votar na filha para deputada estadual. E um dia ele comandou a Câmara dos Deputados. Será que ele conseguiu votar em si próprio?

6-) Perde Sidney da Fat Family, com só 4.385 votos. Com mais um pouco ele se elegeria deputado estadual no Amapá.

7-) Eu perdi a paciência ao ver 1.378.575 eleitores do Estado mais rico da Federação fazerem um voto que sequer é de protesto em Maluf, Clodovil e Frank Aguiar.

8-) Perde Delfim Netto. E eu perdi a palestra dele na Expomoney. Deve ter sido boa.

9-) Perde o Prof. Huguinho, Zezinho e Luizinho.

10-) Perde a democracia. A desproporção entre o valor dos votos dos Estados mais e menos populosos continua, e provavelmente nunca será resolvida. E o voto continua obrigatório.

11-) E eu, por fim, perdi meu lugar na fila na hora de votar para uma senhora com mais de 60 anos.