Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

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Advogado, vive em São Paulo

terça-feira, abril 29, 2008

As palavras necessárias

Para Domingos Módolo
* 17/10/1932
+ 25/04/2008

É uma sexta-feira. Recebo de manhã cedo a notícia de que meu avô, Domingos Módolo, o Mingo, havia morrido. Eu já sabia antes do telefone tocar. Foram quatro meses de vigília e luta contra um câncer.
Na hora eu não choro. Mas sabia que iria fazê-lo assim que chegasse no velório. Vamos até Cerquilho, interior de São Paulo, cidade onde ele passou sua vida inteira.
Recebo as condolências de parentes e de amigos dele. Passado o estranhamento inicial, ante meu luto, todos comentam como eu havia crescido. Gente que me carregou no colo.
Minha avó Meire está arrasada. Nada a consola. Ela chora, desesperada, ante a perda do homem, companheiro, amigo, com o qual ela passou 53 anos, quase três vezes a vida que ela passou sozinha antes de conhecê-lo.
As pequenas coisas começam a aparecer aos poucos. Não iremos mais pescar juntos. Não comerei mais seus sanduíches de lingüiça frita. Não lhe darei mais discos de música sertaneja no seu aniversário.
Vamos perdendo muita coisa nessa vida e ganhando muito pouco em troca. Eu perco um modelo de homem e uma voz ao pé da rede. Ganho apenas uma lápide para visitar no Finados.
As pessoas da vida inteira de Mingo se dirigem ao cemitério. Seguro uma das alças do caixão até o lugar que será sua morada até que a luz do Sol englobe a Terra.
Um pedreiro silencioso preenche de tijolo e cimento o jazigo. Todos aguardam. Penso em lhes dirigir algumas palavras. Na minha cabeça passa o seguinte:

- Em nome da família, quero agradecer a presença de todos vocês. O Mingo amou todos, e tenho certeza de que vocês o amavam. Ele não era figurão ou autoridade importante. Mas quero que vocês se lembrem sempre dele como alguém que viveu sua vida inteira aqui em Cerquilho, e que adorava esta cidade. Ele não gostava de sair daqui, nem de deixar sua casa. Ele trabalhou muito, incontáveis madrugadas, para vocês. Primeiro, por trinta anos como inspetor de alunos do Colégio Bernardes. Ele ajudou a educar vocês e muitos de seus filhos e netos. Depois ele assumiu a cantina da escola e ajudou a matar a fome dos alunos, professores e funcionários do Bernardes. E, após se aposentar, ele passou muito tempo preparando salgados para suas festas e para o comércio daqui. Muitos de vocês cresceram com a comida do Mingo. Obrigado a todos.

Não falei nada. Vi os olhos daquela gente e vi que eles sabiam daquilo tudo. Comento com minha família sobre o que eu queria ter dito. Minha mãe me chama de lado após sairmos de lá e diz que meu avô tinha muito orgulho de mim, e teria gostado se eu tivesse falado aquilo.
Na mesma noite, descobri que as palavras finais de meu avô foram mais belas e melhores do que qualquer coisa dita naquela tarde.
Naquele mesmo dia, minha avó acordou de madrugada. Mingo tinha febre e não dormia direito há muito tempo. Ele pediu água. Seu corpo fervia. O termômetro marcava 38,8°.
Ele apanhou o copo de sua mulher e engasgou no último gole. Ela o olhava apreensiva, angustiada. Você está bem, Nê? Você está bem, Nê?
Ele percebeu que ali era o fim de sua história. Ele estava em sua cama, em sua casa, em sua Cerquilho, nos braços da mulher amada, onde ele sempre quisera estar e terminar. Quantos homens eram assim abençoados? Um lampejo de lucidez o atingiu. Paz. Ele olhou para a mulher que amou por mais de 53 anos e disse:

- Eu estou bem. Eu estou muito bem.

Seus braços tombaram. Suas mãos se abriram e ele fechou os olhos.

sábado, abril 19, 2008

Pequeno tratado misógino

Vou desenvolver uma idéia roubada da blogosfera. Eu até sei a fonte, mas vou preservá-la (sempre quis fazer isso, soa tão Todos os Homens do Presidente! Ademais, as coisas sempre são mais legais quando há rumores sobre a origem de algo, e o mistério envolve em brumas a fonte cristalina da verdade, yes, que bonito).
Dada a quantidade escassa de leite que pode ser tirada desta pedra, e à obviedade ululante das conclusões alcançadas, o espaço de uma crônica vai bastar.
Mulher detesta mulher. Ponto. Passo a expor meus argumentos, narrando caso pessoal recente.
Um amigo reencontrou após quase ano, num evento do escritório, uma colega bem querida. Bateram um papo, atualizaram as novidades. Ele achou bom revê-la. Já em casa, ao narrar seu dia, comentou casualmente à sua mulher:
- Ah, sabe quem estava lá hoje ? A Bianca (nome fictício, continuo preservando minhas fontes). Ela é muito gente boa.
- Hmmm, legal.
- Poxa, fazia tempo que não a via. Mesmo assim, retomamos a conversa do mesmo ponto...
- Você está querendo comer ela?
- O que é isso, bem? Ela é casada... Que ciúme.
Ele teve que sair da cozinha antes que o rolo de macarrão acertasse sua cabeça.
Não adianta, pode ser quem for. Elas não se bicam. Fale bem de uma mulher para a sua e seu fim está decretado. Você pode até parabenizar as habilidades gerenciais de uma ministra ou deputada, mas sua mulher vai achar que estás de olho nela.
Algumas obviedades. Os homens heterossexuais gostam de mulher. As mulheres heterossexuais quer que os homens gostem de mulher, afinal, sobraram tão poucos. Mas se um deles declarar aos brados que gostaria de ser um garanhão, um comedor, que seu sonho é dormir com duas (ou três) mulheres ao mesmo tempo, quiçá um time de futebol feminino antes de virar para o lado e dormir, ou que ele gostaria de virar mórmon ou sultão, para poder dividir seu espaço com três ou quatro fêmeas, ele está acabado para qualquer mulher que o ouça.
Nunca vi uma mulher elogiando outra mulher. Claro, já ouvi uma falando bem das unhas ou do cabelo de outra, esses detalhes, mas, para quem não sabe, é tudo fingimento, é tudo mentira. Se a outra ficou mais bonita, ela é um perigo, uma ameaça, vai roubar seu homem ou diminuir a oferta de solteiros na praça, sirigaita ordinária!
Do contrário, os homens conseguem se elogiar. O comedor é o macho alfa, o garanhão, todo mundo gosta dele. Não vai roubar o espaço de ninguém, tem para todos (exceto na China, onde mulheres são minoria).
Sobre os outros assuntos, um homem consegue admirar um outro homem com sinceridade. Quem nunca viu o Faustão dizer com veemência que algum artista é um monstro sagrado, muito talentoso? Na política temos os nossos ídolos, podemos elogiar um governador, um presidente.
Agora, prestem atenção no que direi. Podem procurar todo o arquivo do New York Times. Leiam todos os compêndios históricos. Folheiem os tomos empoeirados da Barsa e da Britânica. E constatem: jamais uma mulher falou que iria votar numa candidata por admirar suas idéias ou sua competência. Seria demais admitir que outra mulher é melhor.
E tenho dito. E se elas não gostarem, que se danem. Eu, Suzana Bandeira, assino embaixo e sustento o que digo. O que elas vão fazer? Acertar-me com unhadas ou puxar meu cabelo? Que venham, suas ordinárias, eu acabo com vocês...