Uma mulher cosmopolita
Clarice Estrela adora o cheiro de coisa nova. De carro, achava bom. Mas o de um novo lugar para morar era o melhor. Seu apartamento cheirava à tinta que secava nas paredes e o aroma da cola que fixou o carpete no chão impregnava o ar. Batalhou muito por seu canto. E o melhor, na região mais cosmopolita de São Paulo. Cosmopolita como ela, que tinha bom gosto, lia revistas modernas e se informava sobre o mundo, mas nunca tinha saído do Brasil. Tinha grandes planos para aquele lugar.
Mas Clarice estava nervosa com a mudança. Havia muito o que fazer. Muitas coisas para comprar e móveis que pediam uma posição. Lamentava que seu marido não pudesse ajudá-la. Empresário, vivia às voltas com sua padaria e não tinha tempo para a vida doméstica, e para os aborrecidos detalhes de um lar neófito.
Após um tempo a rotina já se impunha. Clarice ia trabalhar, voltava para a casa quase nua e não gostava do que via. Seu homem nunca estava lá. Ela teria que se enturmar com os vizinhos. Logo percebeu que aquela era mesmo a região mais européia da cidade de São Paulo. Haviam muitos suíços, escandinavos, alemães, e respectivos descendentes no prédio.
Um dia toca sua campainha. É uma mulher charmosa e magra, de meia-idade, com cara de gringa. Ela diz ser a vizinha do apartamento ao lado, se chama Kirsten. Clarice a convida para um lanche. Trocam muitas idéias. Ela é dinamarquesa, como o nome já havia entregado, e é casada com Peter, alemão que ela logo conheceria, homem com a constituição física de um boi, de voz alta e capaz de tomar litros de cerveja sem se abalar. Os dois falam português sem sotaque.
Ficam amigas. Kirsten é dona de casa, tem muito tempo livre e começa a visitar Clarice nos fins de tarde. Ela lhe conta sobre a vida na Europa e sobre os hábitos dos europeus radicados no Brasil. Algumas coisas são bem diferentes daqui. Os dias lá parecem mais curtos, o tempo é frio e é raro que o sol dê as caras. Até a indumentária é diferente. Kirsten estava sempre à vontade, com shorts curtos e camiseta. Parecia sempre estar pronta para o turismo. Faltava só um mochilão e talvez uma câmera pendurada no pescoço, como se estivesse em Foz do Iguaçu. Havia vezes em que Clarice podia escutar pelas paredes os gritos em dinamarquês que Kirsten dirigia ao cachorro. Parecia ser uma mulher agitada.
Certo dia Clarice ainda lamentava a aridez desértica de sua varanda. Kirsten se dispôs a ir com ela numa loja de jardinagem da região. Pegaram o carro.
Era um dia nublado, detalhe a ser guardado.
A loja era boa e variada. Clarice encontrou uma samambaia simpática e vasos de plantinhas verdes que ficariam bem no seu terraço. Pagou, e um rapaz se adiantou levando as compras num carrinho. Kirsten saiu na frente, seguindo o carrinho e o moço.
Clarice ainda guardava a carteira na bolsa, se atrasa um pouco. Sai da loja e vê Kirsten deitada, em verdade esparramada é a palavra, num pequeno jardim de grama. Esparsos raios de sol encontraram brechas entre as nuvens e pareciam bafejar Kirsten no único espaço disponível no verde. Ela parecia feliz, a testa franzida pelo sol.
“Esses estrangeiros”, pensou Clarice. Mesmo vivendo há muito tempo em nosso país tropical, eles ainda tem esse trauma da falta de sol de seus países. Não sabe se teria esse desprendimento de deitar na grama na frente de todos só para se bronzear. Eles são diferentes mesmo. Só espero que ela não invente de fazer um topless. Mas não poderia parecer preconceituosa. Sua fama de intolerante se espalharia entre os vizinhos gringos do prédio rápida como a gripe aviária. Estava morando agora na região mais cosmopolita de São Paulo, não podia confessar que nunca tinha visto esse tipo de coisa.
Clarice tentou soar simpática e acostumada àquilo, como se não fosse nada de mais:
- Oi Kirsten, tomando um solzinho?
A dinamarquesa faz uma careta de dor, curva-se em direção aos joelhos e aperta-os contra seu corpo:
- Tomando sol? Eu tropecei e caí na grama.
Clarice cora de vergonha e corre para ajudá-la. Ajuda a erguer Kirsten. O rapaz que levava as compras também larga tudo para dar uma força. Outros clientes da loja apenas olham. Kirsten tem os joelhos vermelhos, e as costas da camiseta sujas de grama e terra. Manca com dor até o carro, mas não é nada grave.
Clarice dirige de volta ao prédio e tenta se explicar:
- Puxa, Kirsten. Eu achei que você tinha resolvido aproveitar o sol que saiu...
- Sua doida. Você acha que eu ia deitar na grama suja para isso? Olha a minha roupa como ficou. Olha o meu joelho, todo ralado.
O carro fica num silêncio constrangedor. Mas, ao mesmo tempo, as duas novas amigas explodem numa gargalhada. Kirsten disse:
- Espere o Peter e os vizinhos ficarem sabendo dessa. Você é uma caipirona mesmo, Clarice!
Era tudo o que Clarice não queria. Justo ela, que morava agora na região mais cosmopolita de São Paulo.
Mas Clarice estava nervosa com a mudança. Havia muito o que fazer. Muitas coisas para comprar e móveis que pediam uma posição. Lamentava que seu marido não pudesse ajudá-la. Empresário, vivia às voltas com sua padaria e não tinha tempo para a vida doméstica, e para os aborrecidos detalhes de um lar neófito.
Após um tempo a rotina já se impunha. Clarice ia trabalhar, voltava para a casa quase nua e não gostava do que via. Seu homem nunca estava lá. Ela teria que se enturmar com os vizinhos. Logo percebeu que aquela era mesmo a região mais européia da cidade de São Paulo. Haviam muitos suíços, escandinavos, alemães, e respectivos descendentes no prédio.
Um dia toca sua campainha. É uma mulher charmosa e magra, de meia-idade, com cara de gringa. Ela diz ser a vizinha do apartamento ao lado, se chama Kirsten. Clarice a convida para um lanche. Trocam muitas idéias. Ela é dinamarquesa, como o nome já havia entregado, e é casada com Peter, alemão que ela logo conheceria, homem com a constituição física de um boi, de voz alta e capaz de tomar litros de cerveja sem se abalar. Os dois falam português sem sotaque.
Ficam amigas. Kirsten é dona de casa, tem muito tempo livre e começa a visitar Clarice nos fins de tarde. Ela lhe conta sobre a vida na Europa e sobre os hábitos dos europeus radicados no Brasil. Algumas coisas são bem diferentes daqui. Os dias lá parecem mais curtos, o tempo é frio e é raro que o sol dê as caras. Até a indumentária é diferente. Kirsten estava sempre à vontade, com shorts curtos e camiseta. Parecia sempre estar pronta para o turismo. Faltava só um mochilão e talvez uma câmera pendurada no pescoço, como se estivesse em Foz do Iguaçu. Havia vezes em que Clarice podia escutar pelas paredes os gritos em dinamarquês que Kirsten dirigia ao cachorro. Parecia ser uma mulher agitada.
Certo dia Clarice ainda lamentava a aridez desértica de sua varanda. Kirsten se dispôs a ir com ela numa loja de jardinagem da região. Pegaram o carro.
Era um dia nublado, detalhe a ser guardado.
A loja era boa e variada. Clarice encontrou uma samambaia simpática e vasos de plantinhas verdes que ficariam bem no seu terraço. Pagou, e um rapaz se adiantou levando as compras num carrinho. Kirsten saiu na frente, seguindo o carrinho e o moço.
Clarice ainda guardava a carteira na bolsa, se atrasa um pouco. Sai da loja e vê Kirsten deitada, em verdade esparramada é a palavra, num pequeno jardim de grama. Esparsos raios de sol encontraram brechas entre as nuvens e pareciam bafejar Kirsten no único espaço disponível no verde. Ela parecia feliz, a testa franzida pelo sol.
“Esses estrangeiros”, pensou Clarice. Mesmo vivendo há muito tempo em nosso país tropical, eles ainda tem esse trauma da falta de sol de seus países. Não sabe se teria esse desprendimento de deitar na grama na frente de todos só para se bronzear. Eles são diferentes mesmo. Só espero que ela não invente de fazer um topless. Mas não poderia parecer preconceituosa. Sua fama de intolerante se espalharia entre os vizinhos gringos do prédio rápida como a gripe aviária. Estava morando agora na região mais cosmopolita de São Paulo, não podia confessar que nunca tinha visto esse tipo de coisa.
Clarice tentou soar simpática e acostumada àquilo, como se não fosse nada de mais:
- Oi Kirsten, tomando um solzinho?
A dinamarquesa faz uma careta de dor, curva-se em direção aos joelhos e aperta-os contra seu corpo:
- Tomando sol? Eu tropecei e caí na grama.
Clarice cora de vergonha e corre para ajudá-la. Ajuda a erguer Kirsten. O rapaz que levava as compras também larga tudo para dar uma força. Outros clientes da loja apenas olham. Kirsten tem os joelhos vermelhos, e as costas da camiseta sujas de grama e terra. Manca com dor até o carro, mas não é nada grave.
Clarice dirige de volta ao prédio e tenta se explicar:
- Puxa, Kirsten. Eu achei que você tinha resolvido aproveitar o sol que saiu...
- Sua doida. Você acha que eu ia deitar na grama suja para isso? Olha a minha roupa como ficou. Olha o meu joelho, todo ralado.
O carro fica num silêncio constrangedor. Mas, ao mesmo tempo, as duas novas amigas explodem numa gargalhada. Kirsten disse:
- Espere o Peter e os vizinhos ficarem sabendo dessa. Você é uma caipirona mesmo, Clarice!
Era tudo o que Clarice não queria. Justo ela, que morava agora na região mais cosmopolita de São Paulo.
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