Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

Nome:

Advogado, vive em São Paulo

terça-feira, outubro 03, 2006

Resenhas tardias: Sob a Névoa da Guerra

Assisti recentemente “Sob a Névoa da Guerra” (“The Fog of War”), vencedor do Oscar de Melhor Documentário de 2003. O filme trata da vida de Robert S. McNamara, que foi Secretário de Defesa dos governos dos Presidentes dos EUA Kennedy e Johnson.
No cargo ele enfrentou a crise dos mísseis de Cuba e boa parte da Guerra do Vietnã. Em suas próprias palavras, por sete anos ele viveu a Guerra, não Fria, como ficou conhecido o confronto entre o bloco dos EUA e o bloco da URSS, mas Quente.
À época do seu convite para a Secretaria, McNamara estava há pouco tempo na presidência da montadora automobilística Ford, tendo sido o primeiro não-membro da família que dá nome à empresa a ocupar o cargo. Era um dos executivos mais bem pagos do mundo, e trocou seu posto pela aventura incerta e relativamente mal-remunerada de comandar a poderosa máquina militar do país mais rico do mundo.
O destaque em sua carreira privada foi a provável causa de sua condução à Secretaria, mas o filme mostra outras passagens da vida de McNamara, como a sua atuação nas Forças Armadas americanas durante a Segunda Guerra Mundial. Como oficial de inteligência da Força Aérea, ele teve importante participação no front do Pacífico.
Talentoso, graduado em Harvard, bom com os números, McNamara participou do planejamento dos ataques aéreos às cidades japonesas. Na frieza das planilhas e das estatísticas, os americanos buscavam a forma mais eficiente de bombardear, levando em consideração a altura dos aviões, a quantidade de bombas, as maneiras de reduzir o cancelamento de missões e minimizar a perda de aviões e pilotos, entre outros fatores.
O objetivo principal dos bombardeios era evitar a temida invasão por terra das ilhas principais do Japão, que seria custosa em número de vidas americanas. Posteriormente isso foi o pretexto do lançamento das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. Mas os bombardeios de Tóquio e outras cidades japonesas por bombas incendiárias foram igualmente destrutivos. Cem mil pessoas morreram na noite em que Tóquio foi bombardeada.
McNamara, sobre os planejamentos dos bombardeios, alega que não se buscava uma eficiência no sentido de matar mais, mas de vencer a guerra, preservando as vidas e os recursos existentes. Posto num contexto histórico, o objetivo dos que fazem a guerra realmente é fazer seu lado vencer com o menor prejuízo possível, à custa do inimigo. Mas, como o próprio McNamara admite, se eles tivessem perdido a guerra, teriam sido julgados como criminosos.
Não se pode esquecer também que o Japão resistiu demais a reconhecer que não venceria a guerra, e pagou com a vida de seu povo pela teimosia de seus líderes, mesmo antes das bombas atômicas. E a ênfase na preservação das vidas de soldados dos Aliados obliterou qualquer prurido em preservar as vidas de civis inimigos. A guerra é mesmo a morte da razão.
Conhecendo o “American way of life”, creio que as credenciais de McNamara pré-Ford não passaram despercebidas pela Casa Branca. Kennedy estava escolhendo um senhor da guerra experimentado e ótimo administrador de recursos como seu Secretário de Defesa.
Uma das primeiras provações de McNamara como Secretário foi o fiasco da Baía dos Porcos, mal mencionado no filme. Outra foi a crise dos mísseis nucleares de Cuba.
Sobre esta crise, é mencionada a lição “Empatize com o inimigo”. Ou, no popular, “Ponha-se na pele do inimigo”. O acordo para a retirada dos mísseis em Cuba só foi possível ao dar aos líderes soviéticos concessões que parecessem uma vitória para estes, como a retirada de alguns mísseis em solo europeu (que os americanos sabiam ser obsoletos) e a garantia de que estes não invadiriam Cuba (já não iam mesmo, depois do rescaldo da Baía dos Porcos). À portas fechadas, os americanos se congratularam, haviam vencido. Haviam evitado a guerra nuclear.
Depois veio a Guerra do Vietnã, o que rendeu a McNamara eternos questionamentos. A extrema direita americana o acusa de ter perdido a guerra. O resto diz que os EUA sequer deveriam ter ido para o Sudeste Asiático.
Com algumas ressalvas, creio que os EUA erraram de início ao ter ido, mas, uma vez lá, não poderiam ter saído. Tanto que sua retirada foi a senha para a tomada do poder pelos comunistas no Vietnã, e deixou asfaltado o caminho para que Pol Pot e o Khmer Vermelho tomasse o poder no Camboja, com o conhecido custo de milhões de vidas que se seguiu. Tal permite até um paralelo com a Guerra do Iraque. Os EUA talvez não devessem ter ido ao Iraque, o que não é o assunto do artigo, mas agora, uma vez lá, tem o dever de controlar os terroristas e criar um país com instituições e viável.
O Vietnã era uma guerra que não tinha como ser ganha. Como McNamara diz no filme, não houve empatia com os vietnamitas e compreensão de sua motivação. Esses viam os americanos somente como os colonizadores de plantão, em substituição aos franceses. Em tal foram embuídos de fúria e sentimento de patriotismo em defender sua terra.
Três vezes mais bombas foram jogadas no Sudeste Asiático durante a Guerra do Vietnã do que em toda a Segunda Guerra Mundial, mas com efeito menor. O Vietnã e o Laos não eram economias industrializadas, com grandes cidades que pudessem ser afetadas com bombas. Só poderia ter sido com guerra terrestre, e mesmo com o envio maciço de tropas não foi possível derrotar a guerrilha e a selva.
O custo de vidas para os americanos foi alto, por volta de 58.000 vidas (25.000 até McNamara deixar o cargo), mas as perdas para os asiáticos é contada em milhões.
Robert Mcnamara diz que muita da responsabilidade pela Guerra foi do Presidente Johnson. Uma vez decidindo-se pelo escalamento do conflito, só restava a McNamara demitir-se do cargo, o que ocorre em caso de discordância entre um ministro e o Chefe do Executivo. Mas ele ficou, e tentou ganhar a Guerra. Talvez tenha sido a tentativa de corrigir um soneto errado com emendas certas. Como Edward Teller, o pai da bomba H, tentou achar usos para sua invenção apocalíptica. Como os “falcões” da Guerra do Iraque tentam reverter um quadro desesperador.
McNamara, após deixar a Secretaria, tornou-se presidente do Banco Mundial. Paul Wolfowitz, ideólogo de Bush filho, ao deixar seu governo, também.
Um personagem de certa melancolia, McNamara carrega a culpa de uma ferida aberta no espírito dos americanos. Tem sim, sua parte de culpa. Mas é difícil sair impune do difícil cargo de bombeiro do Inferno, comandando a maior máquina militar do planeta em plena Guerra Fria.
Recomendo o filme a qualquer um que queira entender o que foi a Guerra Fria pelo olhar de um de seus principais guerreiros.

Ficha técnica - Sob a Névoa da Guerra (The Fog of War, EUA/2003, 107min.) – Documentário. Dir. Errol Morris. Distribuição Sony Pictures.

1 Comments:

Anonymous André Araújo said...

Resenha tardia. Comentários tardio.
Assisti somente ontem o enxuto doc Sob a névoa da guerra. Certamente Mcnamara sabe pesar suas culpas e nos brinda com uma lucidez (ainda que criminosa) assustadora. Excelente resenha (ainda que tardia)

31/8/09 14:59  

Postar um comentário

<< Home