O Castelo do Drácula, São Paulo
O fim de semana acabara, e mais uma história de amor fracassada se encerrava. Tirei uma foto de Bia no aeroporto de Porto Alegre, mas não havia mais nada. Podia queimar aquele retrato depois que não fazia diferença. Ela nem se deu ao trabalho de sorrir para a câmera.
Embarquei no meu vôo, um corujão que chegaria muito tarde em São Paulo, e tentei não pensar mais nos últimos três dias. Fui até Novo Hamburgo encontrar esse menina. Passeamos em Gramado, Canela, fizemos todo o circuito romântico das serras gaúchas, mas não adiantou. A coisa não tinha futuro, concluímos. Era longe, não valia a pena.
Quando as rodas do avião tocaram o solo da pista de Guarulhos, eu já nem lembrava do Rio Grande do Sul. Eu tinha um problema mais imediato, e que demandava uma solução. Era bem tarde, e já não havia ônibus para minha cidade. Eu devia então optar entre pegar um táxi para lá direto (o que era mais caro) ou ficar num hotel em São Paulo e ir de ônibus no dia seguinte (mais econômico).
Na hora a opção mais em conta parecia ser ficar em São Paulo. Tomei um táxi e pedi que ele me levasse para um hotel. Pensei no Formula 1 da Avenida Paulista, confiável e não muito caro.
A Dutra e a Marginal estavam livres. Não disse nada o caminho todo. Por sorte não era um daqueles motoristas que ficavam puxando assunto.
Após quarenta minutos desembarco no dito hotel e constato que ele estava lotado. Que fazer?
Voltei até o táxi:
- O senhor conhece algum outro hotel...
Aí lancei a palavra fatídica:
- ...barato?
O chofer coçou a cabeça, disse conhecer um outro, no centro velho da cidade. Topei, sem imaginar o que me esperava.
Após outro trajeto, paramos nas proximidades da Praça da República, na frente de um hotel com um certo movimento de outros táxis. Um prédio velho, mas não parecia ameaçador.
Desço com minha mala e entro no saguão. Aí percebi no que estava me metendo. Era um treme-treme da pior qualidade. Aquele ar de espelunca. A luz vermelha. Baixo meretrício total.
Dou um pique para fora e vejo que o meu taxista já havia ido embora, como se fosse o cocheiro que largasse apressado visitas noturnas incautas no castelo do Conde Drácula. Os outros taxistas também sumiram de uma hora para outra, como por encanto. Eu teria que ficar lá.
Pedi um quarto, não tinha escolha. O recepcionista pegou uma muda de roupa de cama e pediu para que eu o seguisse por um corredor comprido, que continha diversas portas cerradas.
As atrações dantescas do castelo de Drácula começaram a brotar diante dos meus olhos.
A primeira era um quarto fechado com ripas de madeira, como se tivesse sido lacrado apressadamente pela Polícia. Seria uma cena de um crime?
Em seguida, diversos quartos e janelas fechados, cuja principal atividade era mesmo o meretrício. Gemidos femininos e respiração cortada e resfolegante vinham de trás de algumas das portas.
De uma das portas, súbito, surge um negro sem camisa segurando com uma das mãos as próprias calças e numa outra um telefone celular junto à orelha. Ele falava em inglês e parecia africano. Pelo que entendi de sua conversa telefônica, ele deveria no dia seguinte entregar um pacote a alguém. Seria ele um traficante nigeriano? Seria o pacote um quilo de cocaína ou uma arma de fogo?
Da porta entreaberta do quarto do africano pude notar com o canto dos olhos que havia uma mulher estirada de bruços em sua cama. De lá vinha um cheiro forte de cigarro. Tapei a respiração para não sentir os outros odores que eu imaginava que emanariam do quarto deles.
Mais alguns quartos fechados e cheguei no aposento que me era destinado.
A cama era um farrapo imundo. Não duvidava que estivesse cheia de insetos. O recepcionista me deixou com meu lençol e fronha, que tinham aspecto sujo. Usei o enxoval para forrar a cama. Resolvi dormir de roupa mesmo, para ter o menor contato possível com aquela cama suja. Tranquei a porta e coloquei minha mala na frente dela, à guisa de barricada. Verifiquei a janela de vidro que dava para o corredor. Ela estava trancada, mas não agüentaria uma invasão violenta.
Eu já estava com medo. E se uma daquelas meretrizes viesse de noite rasgar minha garganta? E se o africano resolvesse implicar comigo?
Era uma da manhã. Resolvi que iria dormir somente até as seis. Eu tinha que sair dali o mais rápido possível.
Mas quem disse que eu dormi? Vestido, naquela cama suja, eu passei a noite de olho na porta e na janela, vigilante. Só me faltava ter um mãos um crucifixo, pois eu esperava que próprio Nosferatu entraria pela porta em forma de lobo, ou pela janela, em forma de morcego. Eu sentia imaginárias baratas e percevejos escalando a cama e transitando sobre meu corpo.
O inútil despertador do relógio de pulso tocou às seis. Como dito, eu nem havia piscado naquela noite. Salto da cama, lavo o rosto apressado. Atravesso o corredor ligeiro com meus pertences.
O recepcionista ainda me oferece o café da manhã enquanto pago minha estada. Confiro o desjejum. Só havia pão com manteiga rançosa, leite azedo, e um suposto suco de laranja. Recuso a comida infernal.
Ainda estava escuro. Algumas criaturas da noite, travestis e taxistas, ainda rondavam as ruas da Praça da República. Arrasto minha mala até o metrô, rumo à rodoviária. Só me sentiria seguro após embarcar no meu ônibus. Nele embarcado pude então cerrar um pouco meus olhos, enquanto me afastava da maligna Transilvânia.
Antes de dormir, pensei nas palavras que me custaram tão caro naquela noite:
- O senhor conhece algum outro hotel...barato?
(Vincent Price termina essa narração com uma gargalhada diabólica: A ha ha ha ha ha ha ba ha ha ha...)
Embarquei no meu vôo, um corujão que chegaria muito tarde em São Paulo, e tentei não pensar mais nos últimos três dias. Fui até Novo Hamburgo encontrar esse menina. Passeamos em Gramado, Canela, fizemos todo o circuito romântico das serras gaúchas, mas não adiantou. A coisa não tinha futuro, concluímos. Era longe, não valia a pena.
Quando as rodas do avião tocaram o solo da pista de Guarulhos, eu já nem lembrava do Rio Grande do Sul. Eu tinha um problema mais imediato, e que demandava uma solução. Era bem tarde, e já não havia ônibus para minha cidade. Eu devia então optar entre pegar um táxi para lá direto (o que era mais caro) ou ficar num hotel em São Paulo e ir de ônibus no dia seguinte (mais econômico).
Na hora a opção mais em conta parecia ser ficar em São Paulo. Tomei um táxi e pedi que ele me levasse para um hotel. Pensei no Formula 1 da Avenida Paulista, confiável e não muito caro.
A Dutra e a Marginal estavam livres. Não disse nada o caminho todo. Por sorte não era um daqueles motoristas que ficavam puxando assunto.
Após quarenta minutos desembarco no dito hotel e constato que ele estava lotado. Que fazer?
Voltei até o táxi:
- O senhor conhece algum outro hotel...
Aí lancei a palavra fatídica:
- ...barato?
O chofer coçou a cabeça, disse conhecer um outro, no centro velho da cidade. Topei, sem imaginar o que me esperava.
Após outro trajeto, paramos nas proximidades da Praça da República, na frente de um hotel com um certo movimento de outros táxis. Um prédio velho, mas não parecia ameaçador.
Desço com minha mala e entro no saguão. Aí percebi no que estava me metendo. Era um treme-treme da pior qualidade. Aquele ar de espelunca. A luz vermelha. Baixo meretrício total.
Dou um pique para fora e vejo que o meu taxista já havia ido embora, como se fosse o cocheiro que largasse apressado visitas noturnas incautas no castelo do Conde Drácula. Os outros taxistas também sumiram de uma hora para outra, como por encanto. Eu teria que ficar lá.
Pedi um quarto, não tinha escolha. O recepcionista pegou uma muda de roupa de cama e pediu para que eu o seguisse por um corredor comprido, que continha diversas portas cerradas.
As atrações dantescas do castelo de Drácula começaram a brotar diante dos meus olhos.
A primeira era um quarto fechado com ripas de madeira, como se tivesse sido lacrado apressadamente pela Polícia. Seria uma cena de um crime?
Em seguida, diversos quartos e janelas fechados, cuja principal atividade era mesmo o meretrício. Gemidos femininos e respiração cortada e resfolegante vinham de trás de algumas das portas.
De uma das portas, súbito, surge um negro sem camisa segurando com uma das mãos as próprias calças e numa outra um telefone celular junto à orelha. Ele falava em inglês e parecia africano. Pelo que entendi de sua conversa telefônica, ele deveria no dia seguinte entregar um pacote a alguém. Seria ele um traficante nigeriano? Seria o pacote um quilo de cocaína ou uma arma de fogo?
Da porta entreaberta do quarto do africano pude notar com o canto dos olhos que havia uma mulher estirada de bruços em sua cama. De lá vinha um cheiro forte de cigarro. Tapei a respiração para não sentir os outros odores que eu imaginava que emanariam do quarto deles.
Mais alguns quartos fechados e cheguei no aposento que me era destinado.
A cama era um farrapo imundo. Não duvidava que estivesse cheia de insetos. O recepcionista me deixou com meu lençol e fronha, que tinham aspecto sujo. Usei o enxoval para forrar a cama. Resolvi dormir de roupa mesmo, para ter o menor contato possível com aquela cama suja. Tranquei a porta e coloquei minha mala na frente dela, à guisa de barricada. Verifiquei a janela de vidro que dava para o corredor. Ela estava trancada, mas não agüentaria uma invasão violenta.
Eu já estava com medo. E se uma daquelas meretrizes viesse de noite rasgar minha garganta? E se o africano resolvesse implicar comigo?
Era uma da manhã. Resolvi que iria dormir somente até as seis. Eu tinha que sair dali o mais rápido possível.
Mas quem disse que eu dormi? Vestido, naquela cama suja, eu passei a noite de olho na porta e na janela, vigilante. Só me faltava ter um mãos um crucifixo, pois eu esperava que próprio Nosferatu entraria pela porta em forma de lobo, ou pela janela, em forma de morcego. Eu sentia imaginárias baratas e percevejos escalando a cama e transitando sobre meu corpo.
O inútil despertador do relógio de pulso tocou às seis. Como dito, eu nem havia piscado naquela noite. Salto da cama, lavo o rosto apressado. Atravesso o corredor ligeiro com meus pertences.
O recepcionista ainda me oferece o café da manhã enquanto pago minha estada. Confiro o desjejum. Só havia pão com manteiga rançosa, leite azedo, e um suposto suco de laranja. Recuso a comida infernal.
Ainda estava escuro. Algumas criaturas da noite, travestis e taxistas, ainda rondavam as ruas da Praça da República. Arrasto minha mala até o metrô, rumo à rodoviária. Só me sentiria seguro após embarcar no meu ônibus. Nele embarcado pude então cerrar um pouco meus olhos, enquanto me afastava da maligna Transilvânia.
Antes de dormir, pensei nas palavras que me custaram tão caro naquela noite:
- O senhor conhece algum outro hotel...barato?
(Vincent Price termina essa narração com uma gargalhada diabólica: A ha ha ha ha ha ha ba ha ha ha...)