O patrão
Um sábado. Rodando pelas ruas de São Paulo um anúncio me atrai. Um grupo de mocinhas escaldadas de sol segurava as placas de um empreendimento, o Les Jardins. Tudo na planta, nada de obra ainda.
Estaciono no terreno, onde um stand de vendas atraia a possível clientela com crepes na chapa, café e refrigerantes. Muita gente de olho, circulando. O croqui promete 300 metros quadrados exclusivos. Estilo neo-clássico, apenas oito andares por torre, num terreno enorme. Piscina com bar tropical. Ofurô. Bosques particulares com trilha e área de Tai Chi Chuan. Academia, pista de skate, playground, tudo para que não seja preciso encarar a vida lá fora.
Visito o apartamento decorado. Geladeira com água na porta. Uma sala gigantesca. Varanda com churrasqueira. Adega de vinhos. Suítes. Escritório. Banheira. Closet.
Começo a imaginar a minha vida ali. Todos os bons ingredientes estavam lá. Acordaria de manhã, ao lado de minha mulher. Enquanto ela ainda dormisse, eu iria, pensativo, para a varanda, envergando um roupão de seda. Acenderia um charuto e olharia o bosque debruçado na amurada. Daria um sorriso de satisfação e circularia pela casa ainda silenciosa.
Após apanhar os jornais na porta e um copo de água gelada (sem abrir a geladeira, claro) encheria a banheira redonda. Ficaria por uma hora na água morna, lendo os jornais e terminando o charuto, refestelado, alheio, rico.
Em seguida, iria até o escritório. Refugiado do mundo, escreveria uma crônica no notebook, ao som de música clássica e dos pássaros do bosque. Para relaxar, ligaria um show de rock no home theather, ou um filme clássico. Som e imagem perfeitos. Olharia para a churrasqueira e, mesmo sem saber assar nada, ficaria satisfeito de saber que eu poderia andar até lá e fazer churrasco um dia, se eu quisesse.
Minha mulher, talvez algum filho, me tiraria do sossego, sedentos de atenção. Um dia perfeito.
Um corretor me chama de volta à realidade. Diz qual é o preço daquele estilo de vida. O financiamento brutal. Muitos anos de prestação. Taxas de corretagem e outras cositas mais. Só à custa de muito sacrifício e dívida aquele recanto seria meu. Não era para já. Quem sabe daqui a alguns anos?
Naquele exato momento alguns abonados investidores portugueses, na mesa ao lado, compravam oito unidades, para revender. A corretora não continha sua felicidade, bafejada pela sorte de ter atendido eles, e não eu, que fora lá apenas filar um cafezinho e xeretar.
Entendi afinal o que é chegar lá. Digo isso sem qualquer crítica a qualquer sistema econômico que seja. Todos são iguais na criação de castas privilegiadas. É assim desde que o mundo é mundo. Quem pode se isola. Os classe AAA vivem em suas mansões e vilas. Voam de helicóptero, não pegam trânsito, não esfregam seus ombros com a multidão. No lado oposto, divide-se tudo. Reparte-se espaço no metrô, no ônibus, na rua. Tudo lotado, sujo, escasso e poluído.
No meio do caminho, a classe média tenta para obter para si um pouco de espaço, onde ainda lhes restar. No bairros centrais de São Paulo é tudo caro e não resta mais nada. Seguem rumo às fronteiras do mercado imobiliário, onde ainda há verde e terrenos. Pedem e são atendidos em seus desejos por condomínios fechados e sossego. Se possível, com uma fachada neoclássica.
E por que não eu? Um dia lançam outro Les Jardins. Aí será minha vez de ser patrão. Um canto meu, longe da fúria do mundo. Talvez, se não fosse pedir muito, sem neoclassicismo ou novo-riquismo de qualquer espécie. Também não vejo uso para a pista de skate.
Seria bom apenas viver num país em que esse sonho não fosse considerado como alienação burguesa, tomado que ele está de toda aquela bobagem de esquerda. Numa verdadeira liberdade as pessoas seriam deixadas em paz para perseguir isso, se é o que elas querem.
Estaciono no terreno, onde um stand de vendas atraia a possível clientela com crepes na chapa, café e refrigerantes. Muita gente de olho, circulando. O croqui promete 300 metros quadrados exclusivos. Estilo neo-clássico, apenas oito andares por torre, num terreno enorme. Piscina com bar tropical. Ofurô. Bosques particulares com trilha e área de Tai Chi Chuan. Academia, pista de skate, playground, tudo para que não seja preciso encarar a vida lá fora.
Visito o apartamento decorado. Geladeira com água na porta. Uma sala gigantesca. Varanda com churrasqueira. Adega de vinhos. Suítes. Escritório. Banheira. Closet.
Começo a imaginar a minha vida ali. Todos os bons ingredientes estavam lá. Acordaria de manhã, ao lado de minha mulher. Enquanto ela ainda dormisse, eu iria, pensativo, para a varanda, envergando um roupão de seda. Acenderia um charuto e olharia o bosque debruçado na amurada. Daria um sorriso de satisfação e circularia pela casa ainda silenciosa.
Após apanhar os jornais na porta e um copo de água gelada (sem abrir a geladeira, claro) encheria a banheira redonda. Ficaria por uma hora na água morna, lendo os jornais e terminando o charuto, refestelado, alheio, rico.
Em seguida, iria até o escritório. Refugiado do mundo, escreveria uma crônica no notebook, ao som de música clássica e dos pássaros do bosque. Para relaxar, ligaria um show de rock no home theather, ou um filme clássico. Som e imagem perfeitos. Olharia para a churrasqueira e, mesmo sem saber assar nada, ficaria satisfeito de saber que eu poderia andar até lá e fazer churrasco um dia, se eu quisesse.
Minha mulher, talvez algum filho, me tiraria do sossego, sedentos de atenção. Um dia perfeito.
Um corretor me chama de volta à realidade. Diz qual é o preço daquele estilo de vida. O financiamento brutal. Muitos anos de prestação. Taxas de corretagem e outras cositas mais. Só à custa de muito sacrifício e dívida aquele recanto seria meu. Não era para já. Quem sabe daqui a alguns anos?
Naquele exato momento alguns abonados investidores portugueses, na mesa ao lado, compravam oito unidades, para revender. A corretora não continha sua felicidade, bafejada pela sorte de ter atendido eles, e não eu, que fora lá apenas filar um cafezinho e xeretar.
Entendi afinal o que é chegar lá. Digo isso sem qualquer crítica a qualquer sistema econômico que seja. Todos são iguais na criação de castas privilegiadas. É assim desde que o mundo é mundo. Quem pode se isola. Os classe AAA vivem em suas mansões e vilas. Voam de helicóptero, não pegam trânsito, não esfregam seus ombros com a multidão. No lado oposto, divide-se tudo. Reparte-se espaço no metrô, no ônibus, na rua. Tudo lotado, sujo, escasso e poluído.
No meio do caminho, a classe média tenta para obter para si um pouco de espaço, onde ainda lhes restar. No bairros centrais de São Paulo é tudo caro e não resta mais nada. Seguem rumo às fronteiras do mercado imobiliário, onde ainda há verde e terrenos. Pedem e são atendidos em seus desejos por condomínios fechados e sossego. Se possível, com uma fachada neoclássica.
E por que não eu? Um dia lançam outro Les Jardins. Aí será minha vez de ser patrão. Um canto meu, longe da fúria do mundo. Talvez, se não fosse pedir muito, sem neoclassicismo ou novo-riquismo de qualquer espécie. Também não vejo uso para a pista de skate.
Seria bom apenas viver num país em que esse sonho não fosse considerado como alienação burguesa, tomado que ele está de toda aquela bobagem de esquerda. Numa verdadeira liberdade as pessoas seriam deixadas em paz para perseguir isso, se é o que elas querem.
1 Comments:
Luiz,
Acho que vc vai ficar "perfeitamente integrado e enquadrado" qdo virar patrão....rs.
Gostei do que escreveu.....pude tb curtir um sonho de consumo!!!
Abraço,
Rubia
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