No matadouro perderei minha alma
Estaciono o carro na praça deserta. O vento arrasta papéis e poeira. É o crepúsculo e a noite se insinua na cidade. Entro num edifício amplo de tijolos aparentes, de aparência antiga. Um serviçal da casa me indica que ali já foi um matadouro municipal. Os fantasmas de milhares de bois assassinados habitam aquele lugar.
Espio com curiosidade uma estranha máquina, um antigo precursor de projetor. É um equipamento que contém inúmeras imagens em seqüência. Girando-se sua manivela, as imagens ganham vida. Mostram uma sinistra antecipação do que está por vir.
Cesso as distrações e adentro o recinto principal. Sou conduzido ao meu lugar. A luz do da se torna mais tênue. Cai o pano. Tudo é escuridão. Começa o espetáculo. Uma feiticeira anuncia na tela os horrores que estão por vir.
Eu foi assistir “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, filme de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, bairro da Vila Mariana. Sim, eu estou obcecado por este personagem. Aproveitei os dias de far niente entre dois feriados para ver mais filmes desse diretor, enquanto a Mostra a ele dedicada prossegue. Eu simplesmente tinha que desvendar esse personagem, clássico da nossa contra-cultura.
A história se passa numa anônima cidade do interior do Brasil. Zé do Caixão é um mero agente funerário lá. Ele não é um vampiro ou zumbi, tampouco bebe sangue. Ele não tem, a princípio, nem um suspiro de outros mundos, para citar algo que vi num prefácio dum livro de Stephen King, o mestre do terror.
O poder de Zé é outro. Ele é uma espécie de macho alfa local. Ateu. Mulherengo. Único a lidar com os mortos e que não tem medo deles. Livre-pensador, sem superstições. Não se curva à Igreja Católica. Veste-se como quer, todo de preto, usa cartola e capa. Tem unhas compridas, como garras. Seu olhar é poderoso, quase hipnótico. Não tem medo, enfim.
Em plena Sexta-Feira da Paixão, após conduzir um funeral, Zé volta à sua casa. Sua companheira está lá. Anuncia a ela que está com fome. Quer carne, alimento vedado naquele dia para todos os outros habitantes do lugar. Quer carne, nem que seja humana. Come um pedaço de carneiro sob o olhar do padre que conduz a procissão. Isso já mostra muito do seu caráter.
Zé do Caixão circula pela noite. Pára na taverna, exige vinho. A história começa quando ele tem um estalo, uma idéia. Precisa ter o filho perfeito. É o momento de virada, em que um psicopata começa a surgir. E ele surge com estilo. Arranca com o resto de uma garrafa quebrada os dedos de um homem com o qual jogava cartas. Chicoteia outro aldeão. Zé é o terror da cidade, ninguém ousa enfrentá-lo.
Assim que chega em casa Zé assassina sua mulher com uma aranha venenosa. Ela não poderia lhe dar o filho perfeito. Começa a cobiçar a noiva de sua amigo Antônio. Ele é um obstáculo. Logo Zé o mata também, com um golpe na cabeça.
Uma trilha de cadáveres a ser deixada por Zé, que se mostra apenas um maníaco. Ele violenta a noiva de Antônio. Desgraçada, ela se mata enforcada. Zé mata o médico da cidade, queimado, para ocultar seus crimes, depois de lhe arrancar os olhos. A sua loucura cresce mais e mais. Cínico, realiza ele próprio os funerais de suas vítimas.
O povo desconfia, rumores sobre as mortes misteriosas crescem à boca pequena, mas ninguém se atreve a confrontá-lo.
Chega o dia dos Mortos, 2 de novembro. Zé está na taverna. Enfia uma coroa de espinhos no rosto de um paisano mais corajoso. A sua risada louca ecoa, como em muitas outras vezes.
Surge uma bela jovem, que precisa ir para a casa de seus parentes, do outro lado do cemitério. Zé do Caixão zomba das crendices da gente simples, que não se oferece para ajudar a moça. Todos tem medo do que pode acontecer com os mortos à solta neste dia. Mas ele é o líder da matilha, não pode deixar escapar esta presa, carne nova no pedaço. E nada pode atingi-lo. Teme apenas os vivos.
Após deixar a jovem em seu destino, Zé atravessa o cemitério, destemido. Desafia os cadáveres a se levantarem. Zomba de sua condição de defuntos. E da pior maneira aprende que nem tudo são crendices, quando seus mortos ressurgem para se vingarem.
Por muito tempo imaginava que Zé do Caixão fosse uma espécie de entidade sobrenatural. Era apenas um louco assassino, personagem tão emblemático quanto Hannibal Lecter ou Jason. E é coisa nossa, brasileiro como a jabuticaba. É genial criação de um de nossos cineastas mais pitorescos, José Mojica Marins. Saio do matadouro. Já é noite. Silêncio. Estariam os mortos à solta?
Espio com curiosidade uma estranha máquina, um antigo precursor de projetor. É um equipamento que contém inúmeras imagens em seqüência. Girando-se sua manivela, as imagens ganham vida. Mostram uma sinistra antecipação do que está por vir.
Cesso as distrações e adentro o recinto principal. Sou conduzido ao meu lugar. A luz do da se torna mais tênue. Cai o pano. Tudo é escuridão. Começa o espetáculo. Uma feiticeira anuncia na tela os horrores que estão por vir.
Eu foi assistir “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, filme de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, bairro da Vila Mariana. Sim, eu estou obcecado por este personagem. Aproveitei os dias de far niente entre dois feriados para ver mais filmes desse diretor, enquanto a Mostra a ele dedicada prossegue. Eu simplesmente tinha que desvendar esse personagem, clássico da nossa contra-cultura.
A história se passa numa anônima cidade do interior do Brasil. Zé do Caixão é um mero agente funerário lá. Ele não é um vampiro ou zumbi, tampouco bebe sangue. Ele não tem, a princípio, nem um suspiro de outros mundos, para citar algo que vi num prefácio dum livro de Stephen King, o mestre do terror.
O poder de Zé é outro. Ele é uma espécie de macho alfa local. Ateu. Mulherengo. Único a lidar com os mortos e que não tem medo deles. Livre-pensador, sem superstições. Não se curva à Igreja Católica. Veste-se como quer, todo de preto, usa cartola e capa. Tem unhas compridas, como garras. Seu olhar é poderoso, quase hipnótico. Não tem medo, enfim.
Em plena Sexta-Feira da Paixão, após conduzir um funeral, Zé volta à sua casa. Sua companheira está lá. Anuncia a ela que está com fome. Quer carne, alimento vedado naquele dia para todos os outros habitantes do lugar. Quer carne, nem que seja humana. Come um pedaço de carneiro sob o olhar do padre que conduz a procissão. Isso já mostra muito do seu caráter.
Zé do Caixão circula pela noite. Pára na taverna, exige vinho. A história começa quando ele tem um estalo, uma idéia. Precisa ter o filho perfeito. É o momento de virada, em que um psicopata começa a surgir. E ele surge com estilo. Arranca com o resto de uma garrafa quebrada os dedos de um homem com o qual jogava cartas. Chicoteia outro aldeão. Zé é o terror da cidade, ninguém ousa enfrentá-lo.
Assim que chega em casa Zé assassina sua mulher com uma aranha venenosa. Ela não poderia lhe dar o filho perfeito. Começa a cobiçar a noiva de sua amigo Antônio. Ele é um obstáculo. Logo Zé o mata também, com um golpe na cabeça.
Uma trilha de cadáveres a ser deixada por Zé, que se mostra apenas um maníaco. Ele violenta a noiva de Antônio. Desgraçada, ela se mata enforcada. Zé mata o médico da cidade, queimado, para ocultar seus crimes, depois de lhe arrancar os olhos. A sua loucura cresce mais e mais. Cínico, realiza ele próprio os funerais de suas vítimas.
O povo desconfia, rumores sobre as mortes misteriosas crescem à boca pequena, mas ninguém se atreve a confrontá-lo.
Chega o dia dos Mortos, 2 de novembro. Zé está na taverna. Enfia uma coroa de espinhos no rosto de um paisano mais corajoso. A sua risada louca ecoa, como em muitas outras vezes.
Surge uma bela jovem, que precisa ir para a casa de seus parentes, do outro lado do cemitério. Zé do Caixão zomba das crendices da gente simples, que não se oferece para ajudar a moça. Todos tem medo do que pode acontecer com os mortos à solta neste dia. Mas ele é o líder da matilha, não pode deixar escapar esta presa, carne nova no pedaço. E nada pode atingi-lo. Teme apenas os vivos.
Após deixar a jovem em seu destino, Zé atravessa o cemitério, destemido. Desafia os cadáveres a se levantarem. Zomba de sua condição de defuntos. E da pior maneira aprende que nem tudo são crendices, quando seus mortos ressurgem para se vingarem.
Por muito tempo imaginava que Zé do Caixão fosse uma espécie de entidade sobrenatural. Era apenas um louco assassino, personagem tão emblemático quanto Hannibal Lecter ou Jason. E é coisa nossa, brasileiro como a jabuticaba. É genial criação de um de nossos cineastas mais pitorescos, José Mojica Marins. Saio do matadouro. Já é noite. Silêncio. Estariam os mortos à solta?
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