Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

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Advogado, vive em São Paulo

quinta-feira, outubro 25, 2007

A sobrevivência do mais fraco

Os não-iniciados pensam que a evolução, tal proposta por Charles Darwin, é algo linear. O mais forte vai superando seus rivais e ficando cada vez mais poderoso e evoluído. Creio que o aperfeiçoamento pode se dar em recuos e avanços, e que a fraqueza por vezes pode ser força. Uma mutação favorável pode surgir de uma condição adversa, e que leve uma espécie a achar um outro nicho e forma de viver. Muito tempo depois, aquela opção pode se mostrar mais benéfica.
Num anti-argumento de autoridade, digo que não pesquisei outro estudo a fim de embasar minhas afirmações. Não sou paleontólogo ou biólogo, apenas palpiteiro.
Pelo que temos de estudos evolutivos até agora, o homem veio mesmo dos primatas, para a fúria dos criacionistas, que acreditam em Adão e Eva e que o planeta Terra surgiu há seis mil anos atrás, apenas com base na Bíblia. Partindo dessa premissa, que o homem é um macaco que hoje assiste TV, vou recontar brevemente o que aconteceu, até chegarmos ao homo sapiens.
Algumas espécies de primatas, como gorilas e macacos, habitam até hoje o topo das árvores. Isso era assim há milhares de anos atrás, na África. Alimentavam-se do que encontravam nas copas folhadas. Mudanças no clima desfolharam as árvores e mataram muitas delas. A área de floresta foi reduzida. Não haveria mais espaço para todos os bichos nos galhos. Alguém teria que ceder, ou melhor, descer.
Os macacos mais fortes ganharam a disputa. Mantiveram seu nicho, e poderiam continuar a se alimentar das folhas e frutos das árvores. Eles ganharam e estão aí até hoje, balançando de galho em galho e fazendo macacadas.
Os macacos mais fracos, os que desceram, se viram num ambiente diferente e hostil. Não havia alimento fácil na savana. Nada mais de sombra sob as árvores. Bichos maiores e mais rápidos, como leões e panteras, matavam os recém-chegados sem dificuldade. Só lhes restou correr para as cavernas.
Resumirei sua evolução restante em poucas linhas, em fatos ocorridos não necessariamente nessa ordem. Perderam pêlos. Passaram a andar em duas patas. Seu cérebro aumentou. Começaram a pensar e a se comunicar. Apanharam pedras e paus do solo, utilizando-os como instrumento. Dominaram o fogo. Com instrumentos ainda melhores, podiam caçar bichos maiores que eles. Domesticaram outros animais. Aprenderam a plantar e a colher. Espalharam-se pelo planeta. É o homem. Acredita ser a espécie dominante.
De um macaco fraco e escorraçado das árvores, viramos uma espécie que gerou Bach e lança satélites no espaço sideral. Escrevemos poesia e formulamos pensamentos abstratos. Os chimpanzés que ficaram nas árvores tem sua sobrevivência e seu habitat ameaçado justamente por nós, mais fortes que eles. Temos rifles para matá-los e escavadeiras para destruir suas casas.
Mas a crença de que somos a espécie dominante e mais importante da natureza nos cega. A crença das religiões de que somos mais que carne, que há um Céu, que voltaremos em outro corpo, é puro antropocentrismo e wishfull thinking (queremos que assim seja). E nos indulge para nossas malfeitorias. Nos torna divinos sem sermos. Provavelmente não há outra vida e estamos destruindo nossa única casa, com nosso estilo de viver suicida.
Há espécies que jamais abandonaram seus nichos, como os gorilas das árvores. As amebas estão da mesma forma desde as origens da vida. Os peixes nadam nos mares. As aves voam no céu. Assim como as bactérias, microscópicas e letais para nós. Elas só vão se tornando mais resistentes a antibióticos, ameaçando nossa existência no planeta.
Há outro bicho que há milhões de anos tem a mesma forma, está satisfeito em viver na sujeira, e que sobrevive com muito pouco. É a barata. As cucarachas sobreviverão às nossas bombas atômicas e à falta de sol de um inverno nuclear. Caminharão nos escombros de nossas cidades mortas. Rastejarão sobre nossas partituras e teses de doutorado, e a nossa cantada inteligência superior.
Uma lição nos seria útil, e nos levaria a uma outra relação com o planeta e os seres vivos. Fraqueza pode ser força. Ao dar uma chinelada num inseto, recordemos que não somos a espécie dominante. Isso nos faria descer de nossos galhos elevados.