Presidentes e o nosso céu azul
Uma atendente de tele-marketing certa vez ligou para meu pai. Gerúndio por conta e risco dela:
- O senhor teria interesse em estar assinando a Veja novamente?
- Não, a revista só fala do Renan Calheiros. Há outros assuntos. Cansei...
Por que este senhor, típico representante da classe média brasileira, está indignado com a pobre da revista Veja, que apenas expôs as malfeitorias daquele ainda senador, em sua missão institucional? Por sentir que as maquinações de Brasília, muito distantes de sua vida em Santos, não lhe interessam.
Parece não fazer diferença para nós quem dentre Renan, Sarney, Tião, Lula, Arlindo, ou quaisquer desses senhores irá ocupar presidências Brasil afora.
Lembro de um filme, Céu Azul. Um oficial e cientista da Aeronáutica americana (Tommy Lee Jones) muda com sua família para o deserto, no meio do nada. Ele é um dos responsáveis pelos testes das bombas nucleares americanas. O nome do projeto é, justamente, Céu Azul, pois queria se provar que apesar das armas poderem causar grande destruição o firmamento continuaria da mesma cor, a vida seguiria.
Mas embaixo de seus lençóis, em sua própria casa, Tommy viveria uma revolução de maior impacto e radiação. Sua mulher (Jéssica Lange) mantinha um tórrido affair com um colega de farda de seu marido, e seu oficial superior.
O personagem de Tommy, que em seu trabalho testemunhava o nascimento dos artefatos que iriam modificar a forma dos homens fazerem guerra, sofreria mais em seu cotidiano com a dor de corno causada por sua mulher insatisfeita do que com as bombas de hidrogênio. O chifre é mais poderoso que a espada, ou, no caso, a bomba H.
O sentimento é esse. Mudam os donos do poder. E nos permanecemos. O céu continua azul. Renan caiu. E daí? Acho que só ele e a mulher sentiram diferença, já que tiveram que sair da casa oficial de Presidente do Senado.
Eu poderia lamentar algo na linha: “Nossa! O homem comum está distante da política. Cai o rei de ouros, cai o rei de copas, não fica nada (plagiando a canção) e ele prossegue com sua vida, alheio, desinteressado”. Sim, eu poderia ainda plagiar Bertolt Brecht e dizer algo na linha do “o pior analfabeto é o analfabeto político”, blá, blá, blá...
Mas, querem saber? Isso tudo é ótimo. Já imaginaram se estivéssemos na época em que a queda de um rei impactava as vidas dos súditos? Se arautos a cavalo estivessem vindo nesse momento cortar nossas cabeças e tomar nossas casas? Alguém gostaria de guilhotinas e forcas na praça, e uma multidão irada aos berros?
Se o presidente do Senado cai, outra eleição é feita. Se o presidente da República sofre impeachment, o vice assume. Assim é que deve ser, chato e previsível, sem alterar nossas vidas. E amanhã tem praia e céu azul.
Disse Diogo Mainardi, na orelha de seu volume de crônicas Lula é minha anta: “Acho que os brasileiros, por falta de experiência democrática, atribuem uma importância exagerada ao presidente da República. Um presidente é só um burocrata medíocre que a gente contrata por quatro anos para desempenhar uma tarefa que nenhuma pessoa minimamente sensata estaria disposta a desempenhar. Ele não é nosso chefe: nós é que somos chefes dele."
Acho que é por aí. O ideal será que um dia todas essas presidências e motivos de vaidade e aflição de espírito um dia serem um emprego chato e que ninguém queira fazer. Como no conto de ficção científica Plantão, do americano Philip K. Dick, em que um super-computador é o presidente dos EUA, e o seu substituto humano eventual (em hipótese sequer cogitada) é um sindicalista mal-pago e motivo de piada, apontado para o cargo.
Bom, no nosso caso já temos o nosso sindicalista (bem-pago) na Presidência do Brasil. Só nos falta uma boa dose de espírito cívico e de cobrança para transformarmos o seu emprego agradável, com férias em bases da Marinha no litoral e viagens ilimitadas ao estrangeiro num tormento que ninguém queira. Vamos tentar?
- O senhor teria interesse em estar assinando a Veja novamente?
- Não, a revista só fala do Renan Calheiros. Há outros assuntos. Cansei...
Por que este senhor, típico representante da classe média brasileira, está indignado com a pobre da revista Veja, que apenas expôs as malfeitorias daquele ainda senador, em sua missão institucional? Por sentir que as maquinações de Brasília, muito distantes de sua vida em Santos, não lhe interessam.
Parece não fazer diferença para nós quem dentre Renan, Sarney, Tião, Lula, Arlindo, ou quaisquer desses senhores irá ocupar presidências Brasil afora.
Lembro de um filme, Céu Azul. Um oficial e cientista da Aeronáutica americana (Tommy Lee Jones) muda com sua família para o deserto, no meio do nada. Ele é um dos responsáveis pelos testes das bombas nucleares americanas. O nome do projeto é, justamente, Céu Azul, pois queria se provar que apesar das armas poderem causar grande destruição o firmamento continuaria da mesma cor, a vida seguiria.
Mas embaixo de seus lençóis, em sua própria casa, Tommy viveria uma revolução de maior impacto e radiação. Sua mulher (Jéssica Lange) mantinha um tórrido affair com um colega de farda de seu marido, e seu oficial superior.
O personagem de Tommy, que em seu trabalho testemunhava o nascimento dos artefatos que iriam modificar a forma dos homens fazerem guerra, sofreria mais em seu cotidiano com a dor de corno causada por sua mulher insatisfeita do que com as bombas de hidrogênio. O chifre é mais poderoso que a espada, ou, no caso, a bomba H.
O sentimento é esse. Mudam os donos do poder. E nos permanecemos. O céu continua azul. Renan caiu. E daí? Acho que só ele e a mulher sentiram diferença, já que tiveram que sair da casa oficial de Presidente do Senado.
Eu poderia lamentar algo na linha: “Nossa! O homem comum está distante da política. Cai o rei de ouros, cai o rei de copas, não fica nada (plagiando a canção) e ele prossegue com sua vida, alheio, desinteressado”. Sim, eu poderia ainda plagiar Bertolt Brecht e dizer algo na linha do “o pior analfabeto é o analfabeto político”, blá, blá, blá...
Mas, querem saber? Isso tudo é ótimo. Já imaginaram se estivéssemos na época em que a queda de um rei impactava as vidas dos súditos? Se arautos a cavalo estivessem vindo nesse momento cortar nossas cabeças e tomar nossas casas? Alguém gostaria de guilhotinas e forcas na praça, e uma multidão irada aos berros?
Se o presidente do Senado cai, outra eleição é feita. Se o presidente da República sofre impeachment, o vice assume. Assim é que deve ser, chato e previsível, sem alterar nossas vidas. E amanhã tem praia e céu azul.
Disse Diogo Mainardi, na orelha de seu volume de crônicas Lula é minha anta: “Acho que os brasileiros, por falta de experiência democrática, atribuem uma importância exagerada ao presidente da República. Um presidente é só um burocrata medíocre que a gente contrata por quatro anos para desempenhar uma tarefa que nenhuma pessoa minimamente sensata estaria disposta a desempenhar. Ele não é nosso chefe: nós é que somos chefes dele."
Acho que é por aí. O ideal será que um dia todas essas presidências e motivos de vaidade e aflição de espírito um dia serem um emprego chato e que ninguém queira fazer. Como no conto de ficção científica Plantão, do americano Philip K. Dick, em que um super-computador é o presidente dos EUA, e o seu substituto humano eventual (em hipótese sequer cogitada) é um sindicalista mal-pago e motivo de piada, apontado para o cargo.
Bom, no nosso caso já temos o nosso sindicalista (bem-pago) na Presidência do Brasil. Só nos falta uma boa dose de espírito cívico e de cobrança para transformarmos o seu emprego agradável, com férias em bases da Marinha no litoral e viagens ilimitadas ao estrangeiro num tormento que ninguém queira. Vamos tentar?
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