Lei Seca

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Advogado, vive em São Paulo

segunda-feira, julho 23, 2007

Caos aéreo e Estado de Direito

(Versão de artigo de minha autoria publicado em 06/07/2007 em alguns jornais)

O austríaco Friedrich A. Hayek dedicou o livro “O Caminho da Servidão” (1944) ao que chamou de “socialistas de todos os partidos”. Trata-se de um clássico do pensamento liberal, que parece ter sido pouco aproveitado por quem pretendia atingir. A obra do escritor é um primor e veio na esteira da ascensão de regimes totalitários que culminaram na Segunda Guerra mundial. Alguns de seus conceitos podem ser aplicados em nossos dias, sobretudo os trechos que dizem respeito à aplicação de lei. Os problemas com os atrasos nos aeroportos do país jamais seriam sonhados por Hayek, embora algumas de suas idéias atualmente caiam como uma luva para a situação que vivemos.
Segundo o austríaco, “a característica que mais claramente distingue um país livre de um país submetido a um governo arbitrário é a observância, no primeiro, dos grandes princípios conhecidos como o Estado de Direito. (...) Isso significa que todas as ações do governo são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas – as quais tornam possível prever, com razoável grau de certeza, de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas atividades individuais com base nesse conhecimento”.
Não quero parecer exagerado. Mas vale comparar o problema do “caos aéreo” com as teorias de Hayek. Vejamos. Os problemas nos aeroportos brasileiros vêm sendo provocados por greves de controladores e policiais, problemas técnicos e panes, entre outras causas que não têm a ver com os passageiros. Mais do que nunca, está claro que o Estado de Direito sofre ameaças constantes dos principais envolvidos no episódio, sejam eles o governo federal, servidores públicos e seus sindicatos, e as empresas de aviação.
Nos últimos meses, as pessoas colocam os pés nos aeroportos sem saber se vão embarcar, o que impede o planejamento. Negócios são perdidos, férias canceladas, famílias terminam separadas e muitos compromissos importantes têm de ser adiados. Isso é o que Hayek chamaria de arbítrio, pois é onde acaba a liberdade de escolha do cidadão.
E o que fazem os responsáveis por toda essa situação? O governo federal, num misto de paralisia e deboche, é capaz apenas de fazer declarações desrespeitosas. Não consegue, com o perdão do trocadilho, controlar os controladores de vôo e suas demandas sindicais. A Polícia Federal ainda contribui com as filas para obtenção de passaportes.
O governo federal também falha na hora de fornecer uma estrutura aeroportuária razoável, que não seja frágil ao ponto de manter aviões no chão por causa de urubus, cachorros na pista, neblina e a falta de um ou dois controladores ao trabalho (exemplos extraídos do noticiário recente). E não faltam dinheiro arrecadado com os tributos e uma das mais altas taxas de embarque do planeta. Os servidores e seus sindicatos exigem direitos e se esquecem dos deveres. Como não existe uma lei que regule a greve no setor público, os controladores de vôo militares estão claramente amotinados.
Já as a companhias aéreas promovem “overbooking” (venda de passagens acima da lotação) e violam direitos dos consumidores, tratando seus clientes como gado, abandonando-os à própria sorte no chão dos aeroportos, sem direito à alimentação, traslado, hotel e informações. Sem a menor cerimônia, rasgam o Código dos Direitos do Consumidor. Esse desrespeito generalizado à minoria que anda de avião neste país é um ataque ao próprio Estado de Direito, sem exagero. Tolhidos no seu direito de ir e vir, os passageiros não vivem em uma democracia, já que lhes foi tirada a capacidade de planejar.
Hayek diria que, “segundo as regras do jogo conhecidas, o indivíduo é livre para perseguir suas metas e desejos pessoais, tendo a certeza de que os poderes do governo não serão empregados no propósito deliberado de fazer malograr seus esforços”.
Mas me parece que isso não é mais válido no Brasil. Do jeito que a situação vem se desenrolando, a impressão é que rumamos de cabeça baixa ao abismo do arbítrio. Para isso, o governo nos fornece passaporte e traslado. Sem qualquer objeção.

Post-scriptum: Onze dias depois da publicação deste texto, ocorre o acidente em Congonhas. Estão tentando impedir o ir e vir também com a eliminação física dos viajantes.