Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

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Advogado, vive em São Paulo

terça-feira, outubro 02, 2007

Um passe VIP para o mundo

Quero algo que me dê livre acesso às benesses do mundo, uma espécie de passe VIP para a vida. Em tudo eu seria Very Importante Person (ou People). E isso nada tem a ver com dinheiro.
Se eu entrar num avião haverá espaço para as pernas. Bom, isso parece que o dinheiro resolve.
O passe VIP para o mundo é mais. Falarei de coisas que, como na propaganda, não tem preço.
Num restaurante, independente da presença de mulheres, serei servido primeiro, e não preciso esperar ninguém para começar a comer. Machista e rude, não?
Em caso de incêndio no prédio serei o primeiro a ser resgatado. Categoria à parte e mais cotada que crianças.
Um túnel se abrirá apenas para meu carro, para qualquer lugar que eu for, evitando o trânsito e congestionamentos. É melhor que um helicóptero.
As possibilidades são infinitas.
Dormir à vontade. Terei o colchão que quero, na cama que escolherei.
Haverá festas todo dia. Casamentos, formaturas, batizados, despedidas de solteiro e happy hours, tudo dependendo do meu humor.
Se quero ficar em casa lendo ou vendo um filme, choverá.
Quando eu pisar na rua haverá sol, mas sem muito calor. Uma brisa leve me seguirá em toda a parte.
Crianças birrentas e malcriadas serão mudas de nascença.
Algo leve, como jazz, será a trilha sonora do planeta, com ajuste automático de volume, pacificando os espíritos.
Todos os bandidos e escroques serão enviados a uma lua afastada de Júpiter, longe das nossas vistas e do noticiário.
Colegas de trabalho difíceis darão expediente com outras pessoas, nunca comigo. O mesmo, mutatis mutandis, ocorrerá com bêbados chatos (habitarão bares em outra cidade), e aborrescentes darão seus gritinhos e levarão suas tatuagens e gírias para outro lugar. Quiçá para a Papua Nova Guiné.
Talvez com esse passe livre das delícias eu continue na ilusão de que são só os outros, os redundantes estranhos desconhecidos, que tomam guaraná com veneno, andam de moto sem capacete, recebem tiros ou morrem de alcoolismo ou de amor.
Como um bônus pela fidelidade, a entrada VIP do mundo me daria a opção de evitar filas ou os impostos, ou os dois. Com opções de assento na janelinha do trem ou na primeira fila do show.
Ou na última do cinema, devidamente acompanhado de minha garota. Sem nunca aparecer lanterninha ou sentir cheiro de pipoca com manteiga.
Não haverão gorilas de boate ou moças com a lista de convidados na mão me barrando para qualquer coisa que eu resolva fazer.
Enquanto o passe não vem, sigo ranzinza, espremido no metrô, no trânsito, nesse mundo lotado e caduco.