Dias de Glória
Nesses tempos de Pan, em que o país fica numa euforia ufanística, lembro de um fato. Nunca fui bom em esportes. Vá lá, não faço feio no vôlei. Mas nunca fui primeiro lugar em coisa alguma. Como Fernando Pessoa, sempre fui farto de semi-deuses, e meus conhecidos eram campeões em tudo. Não tenho em casa medalhas de honra ao mérito, placas, flâmulas ou troféus de vencedor.
A altura nunca me serviu para nada, seja basquete ou mesmo o vôlei, que me agradava mais e era um pretexto para não jogar futebol. Era apenas desengonçado. O Pateta nas Olimpíadas.
Em resumo, e todos entenderão, eu era sempre o último escolhido para o time.
Mas tive meu momento. Aquele que até mesmo Pelé deve ter. A minha hora e vez no esporte. O meu dia de glória.
Havia um professor na escola que gostava de subverter alguns esportes. Um revolucionário das quadras. Misturava corrida com beisebol, peteca com queimada, etc. Um dia ele chamou a classe toda e apresentou uma modalidade nova, uma espécie de futebol com handebol, um vale-tudo em que mãos e pés eram usados para fazer gols.
Não lembro nada do jogo, ou das regras. Só recordo que eu era uma espécie de queridinho do professor, um júnior, um café-com-leite que tinha que ser protegido, de tão ruim e sofrível que era meu jogo. Acho que ele interferia até na escalação dos times, como um típico cartola. Eu estava sempre para ficar por último na seleção, aí ele dizia: “Escolhe o Luiz. Bota o Luiz no time...” (“bote mais um zero”, diz quem aponta a arma ao emissor do cheque...)
O jogo começa, a bola vai e vem. Gols. Uma bagunça total, braços e pernas livres para jogar. Faltam-me os detalhes. Uma hora, um pênalti é marcado. O professor, acusador, juiz e carrasco, sentencia: “O Luiz vai cobrar”.
Silêncio na quadra. Todos os meus colegas de classe em muda antecipação. Seria um desastre, eu não devia ter sido escolhido. Fico na linha da penalidade máxima. Era um arremesso livre com uma das mãos em direção ao gol, sem barreira ou goleiro. Era moleza. Será? Não para mim.
Como se diz por aí, até uma mulher grávida faria aquele gol. Mas eu suava, tremia nas bases. Era muita responsabilidade.
Nunca tinha tido tamanha atenção na vida. Por que eu deveria ser o centro de algo, o salvador, a grande esperança branca o meu time? Que fardo...
Lembro do arremesso. A bola sai central e reta em direção ao gol, mas lenta. Certeira, mas lenta. Perfeita, mas...lenta. Havia o perigo que ela cessasse seu movimento retilínio uniforme (para usar expressão das aulas de Física) antes da linha fatal, sem se converter em gol e frustrando seu fado inevitável. Vai, vai, vai, ansiosa expectativa nas laterais do campo.
A bola passa da linha. É gol!!! Júbilo na torcida. O campo é invadido. Gritam meu nome. Sou abraçado, fazem festinha em meu cabelo, alguém me ergue. Apoteose total. O professor sorri.
Não recordo se ganhamos a partida. Não era campeonato de nada. Aquele esporte nem existe, exceto na mente do mestre de Educação Física. Mas, naquele momento, eu era e fui um campeão. Jamais tive tamanha sensação de vitória.
E temo que jamais terei. Como naquele jogo de nada, naquela manhã que já foi.
Canta Bruce Springsteen, em Glory Days (Dias de Glória):
“Yeah, just sitting back trying to recapture
A little of the glory of, well time slips away
And leaves you with nothing mister but
Boring stories of glory days“
(“Sim, apenas lembrando, tentando recapturar
Um pouco da glória do, bem, o tempo escapa
E deixa você com nada, senhor, mas
Histórias chatas de dias de glória”
(em minha livre tradução e adaptação)
A altura nunca me serviu para nada, seja basquete ou mesmo o vôlei, que me agradava mais e era um pretexto para não jogar futebol. Era apenas desengonçado. O Pateta nas Olimpíadas.
Em resumo, e todos entenderão, eu era sempre o último escolhido para o time.
Mas tive meu momento. Aquele que até mesmo Pelé deve ter. A minha hora e vez no esporte. O meu dia de glória.
Havia um professor na escola que gostava de subverter alguns esportes. Um revolucionário das quadras. Misturava corrida com beisebol, peteca com queimada, etc. Um dia ele chamou a classe toda e apresentou uma modalidade nova, uma espécie de futebol com handebol, um vale-tudo em que mãos e pés eram usados para fazer gols.
Não lembro nada do jogo, ou das regras. Só recordo que eu era uma espécie de queridinho do professor, um júnior, um café-com-leite que tinha que ser protegido, de tão ruim e sofrível que era meu jogo. Acho que ele interferia até na escalação dos times, como um típico cartola. Eu estava sempre para ficar por último na seleção, aí ele dizia: “Escolhe o Luiz. Bota o Luiz no time...” (“bote mais um zero”, diz quem aponta a arma ao emissor do cheque...)
O jogo começa, a bola vai e vem. Gols. Uma bagunça total, braços e pernas livres para jogar. Faltam-me os detalhes. Uma hora, um pênalti é marcado. O professor, acusador, juiz e carrasco, sentencia: “O Luiz vai cobrar”.
Silêncio na quadra. Todos os meus colegas de classe em muda antecipação. Seria um desastre, eu não devia ter sido escolhido. Fico na linha da penalidade máxima. Era um arremesso livre com uma das mãos em direção ao gol, sem barreira ou goleiro. Era moleza. Será? Não para mim.
Como se diz por aí, até uma mulher grávida faria aquele gol. Mas eu suava, tremia nas bases. Era muita responsabilidade.
Nunca tinha tido tamanha atenção na vida. Por que eu deveria ser o centro de algo, o salvador, a grande esperança branca o meu time? Que fardo...
Lembro do arremesso. A bola sai central e reta em direção ao gol, mas lenta. Certeira, mas lenta. Perfeita, mas...lenta. Havia o perigo que ela cessasse seu movimento retilínio uniforme (para usar expressão das aulas de Física) antes da linha fatal, sem se converter em gol e frustrando seu fado inevitável. Vai, vai, vai, ansiosa expectativa nas laterais do campo.
A bola passa da linha. É gol!!! Júbilo na torcida. O campo é invadido. Gritam meu nome. Sou abraçado, fazem festinha em meu cabelo, alguém me ergue. Apoteose total. O professor sorri.
Não recordo se ganhamos a partida. Não era campeonato de nada. Aquele esporte nem existe, exceto na mente do mestre de Educação Física. Mas, naquele momento, eu era e fui um campeão. Jamais tive tamanha sensação de vitória.
E temo que jamais terei. Como naquele jogo de nada, naquela manhã que já foi.
Canta Bruce Springsteen, em Glory Days (Dias de Glória):
“Yeah, just sitting back trying to recapture
A little of the glory of, well time slips away
And leaves you with nothing mister but
Boring stories of glory days“
(“Sim, apenas lembrando, tentando recapturar
Um pouco da glória do, bem, o tempo escapa
E deixa você com nada, senhor, mas
Histórias chatas de dias de glória”
(em minha livre tradução e adaptação)
2 Comments:
Luiz,
Que "delícia" ler a sua história. Bom demais!! Recordar é viver....vc descreveu com vida, cada palavra. Inclusive, tb me fez lembrar dos jogos de queimada no ginásio.....nossa, que termo antigo.....rs. Já fui boa neste esporte.....rs.
Gostaria de lhe dizer novamente....vc tem gde material para o seu futuro livro. Cada caso.....cada fato narrado dá um toque especial. Será um estilo próprio.
Torço por vc...sempreeeeeee.
Meu abraço,
Rubia
Oi Rubia,valeu!
Há outra crônica nova, acabei de postar.
Abraço,
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