Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

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Advogado, vive em São Paulo

terça-feira, abril 03, 2007

Uma noite no cinema

Segunda-feira. Tirei a noite para assistir O cheiro do ralo no Espaço Unibanco. Paro o carro numa rua lateral e vou.
Gente estranha na fila, aqueles tipos exóticos de São Paulo. Havia uma agitação incomum no ar, e percebi depois que era uma pré-estréia do filme Cartola, sobre o cantor e compositor de sambas. Uma moça era insistentemente fotografada por um profissional. Devia ser atriz do filme. Tudo lotado.
Na minha sala, começam os trailers. Dois filmes irão estrear. Hércules C-56 (é isso?), nome do avião que levou os presos políticos trocados pelo embaixador americano durante a ditadura, e Batismo de Sangue, com a história do Frei Betto e de outros freis dominicanos que lutaram, adivinhe só, contra a ditadura. O primeiro filme com certeza irá falar bem do Zé Dirceu, um dos presos trocados, em conveniente momento para sua campanha de anistia. O outro irá falar bem do Frei Betto, figura petista de destaque durante o governo de Lula I.
(Pausa para o momento cri-crítico. Por que tanta festa para quem pegou em armas contra a ditadura com o intento de transformar esse Brasil numa Cuba, numa União Soviética? Os pequenos burgueses tem mesmo que morrer? Por que nenhum filme é feito sobre o coitado do Mario Kozel, mero sentinela explodido por terroristas? Quanto dinheiro foi captado pela Lei Rouanet para esses filmes?)
Começa O cheiro do ralo. Engraçado. Bizarro. Uma obsessão de um pobre diabo pela bunda de uma garçonete, os odores de seu banheiro, e a humilhação contra gente necessitada. Final redentor desnecessário. Mas gostei.
Eu e os outros espectadores somos expulsos da sala por um caminho que nos faz atravessar outra sala de cinema. Posso de relance ver que algo acontece no Espaço Unibanco. Barulho de festa e copos. Risadas.
Na rua, volto até o Espaço. Um coquetel de lançamento do Cartola. Entro, ninguém me incomoda. Tomo cerveja, refrigerante. Como canapés ruins. Circulo. Festa estranha com gente esquisita. Penteados modernos. Não converso com ninguém, saio.
Caminho até o carro. Aperto o botão da trava e nada. O carro já está aberto. Sento no carro com uma sensação dos diabos. Acendo a luz e vejo o painel rasgado, num serviço porco e violento, e o conteúdo do porta-luvas esvaziado no banco do passageiro. Meu som (no painel) e a respectiva frente (no porta-luvas) haviam sido levados, mais nada. Eu acabava de virar estatística da criminalidade.
Era a segunda vez que meu carro era arrombado. Da outra vez, quatro anos atrás, levaram só a frente, mas arrombaram o vidro. Recolhi os cacos com a mão e com um aspirador. A mesma sensação de estupro, boca seca e raiva.
O som será vendido por mixaria, para comprar drogas. Eu que trabalhei por ele, terei que gastar mais horas de trabalho para comprar outro.
Dirijo para casa, conformado e bovino. Não farei B.O.. Penso em Zé Dirceu e seu Hércules. Penso em Frei Betto e seu batismo de sangue. Eles devem estar dando risada desse pequeno burguês assaltado. Esse é o mundo que vocês sonharam? O safado que levou meu som nada mais é que um revolucionário contra o sistema, como vocês foram? É isso?
Demorei a pegar no sono.