Cães sem dono
Os ronins eram os samurais do Japão feudal que não eram vinculados a um clã ou a um daimio, que eram os poderosos senhores de terras. Vagavam pelas florestas, prontos a ofertar sua espada a quem quisesse guerra. A figura do ronin já rendeu até mesmo histórias em quadrinhos e filmes de Hollywood, em que o termo é usado como sinônimo de mercenário.
A vida medieval era violenta. O feudalismo era um sistema de produção baseado em subordinação, em que um suserano permitia que um vassalo ocupasse terras e as cultivasse. O vassalo dava sua força de trabalho, parte do que produzia, e participava da milícia do suserano, e em troca recebia proteção. Só proteção? – alguns perguntariam. Bom, é de se lembrar que não haviam Estados centralizados como hoje os conhecemos. O senhor das terras era o senhor da guerra. Morar longe de um castelo ou guarnição militar era suicídio.
Por que falar em guerreiros errantes? Ora, nesta época de eleições gerais se percebe claramente que nós, brasileiros, somos todos cães sem dono. Somos todos ronins.
Isso é antigo. O que será que foi feito dos escravos libertos pela Lei Áurea? Foram logo ofertar a força de seus braços à mesma lavoura que os oprimia ou à nascente indústria. Pagos como escravos, mas “livres”. Era a mesma miséria, com outro nome. As senzalas viraram cortiços, e depois favelas. E essas se submetem hoje a outros senhores, que se impuseram pela força dos fuzis, mas que não são das tropas oficiais do rei.
Os migrantes nordestinos? Fugiram de suas terras, retirantes, querendo um pouso seguro dos coronéis e do sol, e se juntaram nas mesmas senzalas dos netos dos escravos. Vendem hoje suas forças aos que erguem castelos (por vezes despencam das alturas), guardam seus portões, limpam seus aposentos. Alguns, os “chapas”, estão à beira das estradas, esperando serviço do primeiro caminhão de carga que passar.
Até a parcela da população que está melhor situada também vive sob o jugo de senhores implacáveis. Um Estado voraz, o Leviatã de Hobbes, que come quatro de cada dez reais produzidos. Cercada em castelos com circuito interno de TV e portaria, rodando em carros blindados, morta de medo dos salteadores descalços que empunham pistolas.
Todos gostariam de mais de seus senhores. Querem poder trabalhar. Desejam pagar menos impostos. Anseiam por voltar a andar na rua. Ressentem-se da falta de opção na política, forçados que estão a escolher entre gente que só representa a si mesma. Não sabem, mas gostariam de poder escolher partidos que não acreditem que o Estado é solução para tudo. Clamam por liberdade.
Mas as pessoas vagam por aí, sem rumo. Carentes de orientação e liderança. São presas fáceis de curandeiros, vendedores de milagres e clérigos sem religião. Entregam suas economias a estelionatários sem muita reflexão. Buscam um Absoluto indefinido, um Nada concreto. São humanas, enfim.
Quem é que poderia liderá-las? Qual, dos candidatos nesta eleição, é realmente uma opção, e que teria preparo e condições de conduzir as massas à sua sonhada terra do leite e do mel?
Um professor na faculdade de direito nos disse certa vez: “O melhor sistema de governo é o despotismo esclarecido, desde que eu seja o déspota”.
Por que não eu? Ora, falando em cães, lembro do princípio Rin Tin Tin. Explico. Robert Mitchum resolveu ser ator ao perceber que até um cachorro, o dito cujo, poderia fazer isto, e com muito sucesso.
Alguns candidatos que nos são impostos são tão, tão ruins, que por vezes penso que eu poderia fazer melhor que eles. Mas eu teria que beijar criancinhas, discursar em palanques e comer pastéis gordurosos. Deixa para lá. Não agora, talvez nunca. É uma coisa de muita vaidade, e como já era dito no livro bíblico do Eclesiastes, vaidade é aflição de espírito. Mas alguém tem que fazê-lo, e respeito quem se dispõe a isso.
As pessoas buscam um propósito maior, uma ideologia. Às vezes, cansado de tanto matutar, escrever e peticionar, muitas vezes sozinho em meu canto, anseio por uma chance de mostrar meu valor. O trabalho parece enfadonho, e (valha-me, Eclesiastes) nada de novo há sob o sol. Mas me conformo. Parece sem propósito, mas tem. É, fazendo minha parte, minha humilde colaboração para a sociedade, e para mim mesmo.
Esse anseio por uma forma de pensar, a meu ver, leva a equívocos. Um conhecido meu, amigo de um colega, viajará em breve para Cuba. Está numa corrida contra o tempo, quer ver Fidel vivo. Em seu dizer, é um lugar que ainda tem ideologia. Mas que adianta se essa ideologia é encharcada de sangue?
A ideologia que o Brasil precisa é finalmente transformar estas terras num país. Em que todos possam trabalhar. Em que as instituições funcionem. Em que investir, no dizer de um prêmio Nobel de Economia, seja tão emocionante quanto ver a tinta secar ou a grama crescer. Em que a democracia não seja uma palavra de uso bienal. Em que as pessoas finalmente parem de esperar líderes e tenham liberdade de pensar por si próprias. Cada um, com seu trabalho, aperfeiçoando seu bairro, cidade e estado. Adotando uma ética que core os malfeitores de vergonha.
Tal será feito por pessoas que não necessitem mais de muletas externas para viver suas vidas. Que se regozijem com seus feitos, por menores que sejam, sabendo que estes são tijolos na construção de algo maior que elas próprias. Esse povo não mais se amparará em ideologias ou ansiará por revoluções, pois saberá que os políticos que tem e que livremente escolheu finalmente entenderam que eles não são senhores, mas servos. Nesse dia, essas pessoas saberão que não são mais cães sem dono.
E os líderes? Que sejam dignos de serem seguidos e à altura do povo ao qual seguirão adiante.
Não comandando, como senhores feudais. Mas como desbravadores e linha de frente através dos caminhos cerrados e escuros que o Brasil ainda terá que percorrer para ser, enfim, uma nação.
Bom domingo de eleições.
A vida medieval era violenta. O feudalismo era um sistema de produção baseado em subordinação, em que um suserano permitia que um vassalo ocupasse terras e as cultivasse. O vassalo dava sua força de trabalho, parte do que produzia, e participava da milícia do suserano, e em troca recebia proteção. Só proteção? – alguns perguntariam. Bom, é de se lembrar que não haviam Estados centralizados como hoje os conhecemos. O senhor das terras era o senhor da guerra. Morar longe de um castelo ou guarnição militar era suicídio.
Por que falar em guerreiros errantes? Ora, nesta época de eleições gerais se percebe claramente que nós, brasileiros, somos todos cães sem dono. Somos todos ronins.
Isso é antigo. O que será que foi feito dos escravos libertos pela Lei Áurea? Foram logo ofertar a força de seus braços à mesma lavoura que os oprimia ou à nascente indústria. Pagos como escravos, mas “livres”. Era a mesma miséria, com outro nome. As senzalas viraram cortiços, e depois favelas. E essas se submetem hoje a outros senhores, que se impuseram pela força dos fuzis, mas que não são das tropas oficiais do rei.
Os migrantes nordestinos? Fugiram de suas terras, retirantes, querendo um pouso seguro dos coronéis e do sol, e se juntaram nas mesmas senzalas dos netos dos escravos. Vendem hoje suas forças aos que erguem castelos (por vezes despencam das alturas), guardam seus portões, limpam seus aposentos. Alguns, os “chapas”, estão à beira das estradas, esperando serviço do primeiro caminhão de carga que passar.
Até a parcela da população que está melhor situada também vive sob o jugo de senhores implacáveis. Um Estado voraz, o Leviatã de Hobbes, que come quatro de cada dez reais produzidos. Cercada em castelos com circuito interno de TV e portaria, rodando em carros blindados, morta de medo dos salteadores descalços que empunham pistolas.
Todos gostariam de mais de seus senhores. Querem poder trabalhar. Desejam pagar menos impostos. Anseiam por voltar a andar na rua. Ressentem-se da falta de opção na política, forçados que estão a escolher entre gente que só representa a si mesma. Não sabem, mas gostariam de poder escolher partidos que não acreditem que o Estado é solução para tudo. Clamam por liberdade.
Mas as pessoas vagam por aí, sem rumo. Carentes de orientação e liderança. São presas fáceis de curandeiros, vendedores de milagres e clérigos sem religião. Entregam suas economias a estelionatários sem muita reflexão. Buscam um Absoluto indefinido, um Nada concreto. São humanas, enfim.
Quem é que poderia liderá-las? Qual, dos candidatos nesta eleição, é realmente uma opção, e que teria preparo e condições de conduzir as massas à sua sonhada terra do leite e do mel?
Um professor na faculdade de direito nos disse certa vez: “O melhor sistema de governo é o despotismo esclarecido, desde que eu seja o déspota”.
Por que não eu? Ora, falando em cães, lembro do princípio Rin Tin Tin. Explico. Robert Mitchum resolveu ser ator ao perceber que até um cachorro, o dito cujo, poderia fazer isto, e com muito sucesso.
Alguns candidatos que nos são impostos são tão, tão ruins, que por vezes penso que eu poderia fazer melhor que eles. Mas eu teria que beijar criancinhas, discursar em palanques e comer pastéis gordurosos. Deixa para lá. Não agora, talvez nunca. É uma coisa de muita vaidade, e como já era dito no livro bíblico do Eclesiastes, vaidade é aflição de espírito. Mas alguém tem que fazê-lo, e respeito quem se dispõe a isso.
As pessoas buscam um propósito maior, uma ideologia. Às vezes, cansado de tanto matutar, escrever e peticionar, muitas vezes sozinho em meu canto, anseio por uma chance de mostrar meu valor. O trabalho parece enfadonho, e (valha-me, Eclesiastes) nada de novo há sob o sol. Mas me conformo. Parece sem propósito, mas tem. É, fazendo minha parte, minha humilde colaboração para a sociedade, e para mim mesmo.
Esse anseio por uma forma de pensar, a meu ver, leva a equívocos. Um conhecido meu, amigo de um colega, viajará em breve para Cuba. Está numa corrida contra o tempo, quer ver Fidel vivo. Em seu dizer, é um lugar que ainda tem ideologia. Mas que adianta se essa ideologia é encharcada de sangue?
A ideologia que o Brasil precisa é finalmente transformar estas terras num país. Em que todos possam trabalhar. Em que as instituições funcionem. Em que investir, no dizer de um prêmio Nobel de Economia, seja tão emocionante quanto ver a tinta secar ou a grama crescer. Em que a democracia não seja uma palavra de uso bienal. Em que as pessoas finalmente parem de esperar líderes e tenham liberdade de pensar por si próprias. Cada um, com seu trabalho, aperfeiçoando seu bairro, cidade e estado. Adotando uma ética que core os malfeitores de vergonha.
Tal será feito por pessoas que não necessitem mais de muletas externas para viver suas vidas. Que se regozijem com seus feitos, por menores que sejam, sabendo que estes são tijolos na construção de algo maior que elas próprias. Esse povo não mais se amparará em ideologias ou ansiará por revoluções, pois saberá que os políticos que tem e que livremente escolheu finalmente entenderam que eles não são senhores, mas servos. Nesse dia, essas pessoas saberão que não são mais cães sem dono.
E os líderes? Que sejam dignos de serem seguidos e à altura do povo ao qual seguirão adiante.
Não comandando, como senhores feudais. Mas como desbravadores e linha de frente através dos caminhos cerrados e escuros que o Brasil ainda terá que percorrer para ser, enfim, uma nação.
Bom domingo de eleições.
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