Lei Seca

Um espaço para discutir as grandes questões. Editor-chefe: Luiz Augusto

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Advogado, vive em São Paulo

domingo, setembro 24, 2006

Ameaças nos filmes e na vida real

Muitos filmes têm como centro da trama ameaças misteriosas dirigidas aos protagonistas. Em Caché, produção francesa, um apresentador de televisão e sua mulher começam a receber pacotes com fitas que contém apenas gravações do exterior de sua casa. São horas de filmagem, de um ponto fixo, registrando o entrar e sair dos habitantes do lar e a passagem dos transeuntes. Ao procurar a polícia, ouvem do policial que os atende que ele lamenta, mas nada pode fazer.
Essa parece ser a postura típica dos policiais em vários filmes americanos, como as duas versões de Cabo do Medo. O vilão desses filmes é um ex-presidiário, Max, empenhado em se vingar do seu antigo advogado de defesa, ao qual credita a sua condenação.
Na primeira versão, da década de 1960, o vilão é Robert Mitchum (que faz um bandido que mais parece um tiozinho banachão, não assusta ninguém) e o advogado é Gregory Peck.
Na versão de 1991 o vilão é o Bob DeNiro (sempre ótimo, tatuado e musculoso, muito mais ameaçador), e que tem uma excelente empatia com a jovem filha do advogado, a então ninfeta Juliette Lewis, às raias da tensão sexual. Mérito seja dado à direção de Scorcese. O papel do advogado é de Nick Nolte.
Enfim, em Cabo do Medo, as ameaças do ex-presidiário iniciam-se veladas, com sua mera presença nos locais em que sua vítima freqüenta. Passa a ser mais ostensiva, como a cena do charuto aceso na sala de cinema. Como de praxe, a polícia, nessa fase das ameaças, nada pode fazer. Somente com a aproximação do perigo, com a invasão de domicílio (clássica cena do barco-casa, parodiada até nos Simpsons), é que começa a poder ser invocada a legítima defesa.
Na vida real, infelizmente, as ameaças também não tem a devida repressão que mereceriam. As situações descritas em Chaché e Cabo do Medo, como o envio de fitas gravadas, e a mera presença do ameaçante, não são suficientes para movimentar o aparelho repressor estatal. A resposta dependerá de uma medida judicial, sempre incerta e que pode não vir a tempo ou não ser eficaz. Sei, pelos filmes, daquele instituto do direito americano, em que uma pessoa fica proibida de se aproximar a menos de certa distância de uma outra pessoa ou local. Creio que aqui seria medida de difícil viabilização.
Há, portanto, essa lacuna do direito quanto a este tipo de ameaça (que creio se aproximar do assédio moral), e que por enquanto, não tem meio-termo de proteção. Ou a ameaça é velada, e fica no campo do direito civil (medidas cautelares), ou é ostensiva, da qual cuidará o direito penal (Crime de ameaça). Mas aí, a própria lei não inibe bem a conduta (a pena é pequena), e dificulta a prova (como no caso das ameaças por meio de trotes telefônicos, a qual não caberá interceptação, por ser crime punido com pena de detenção).
Enquanto o Direito desampara a todos, o cinema e os psicopatas continuarão inventando novos meios de nos aterrorizar. Ligações de madrugada sem nada dizer, ou apenas com o som de um ofegar ao fundo. Ou o vilão parado, em frente à nossa casa ou local de trabalho. Só lá, parado.
E diante de tudo, um policial, acima do peso, numa delegacia, nos dizendo, com ar paternal e sotaque gringo dublado: "É a lei, filho. Não podemos fazer nada até que ele faça alguma coisa".